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ENTRE A DELAÇÃO E A INQUISIÇÃO.


A lei, o conceito e o objetivo. Por meio da Lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, foi adotado no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da delação premiada, cujo objetivo é possibilitar a desarticulação de quadrilhas, bandos e organizações criminosas, facilitando a investigação criminal e evitando a prática de novos crimes por tais grupos. Ou seja, a delação é instrumento complementar à investigação, não substitutivo dela.
Além da citada lei que inaugurou a normatização da delação premiada no Brasil, o instituto da delação premida encontra-se previsto em diversos instrumentos legais[1].  
Na prática delação premiada significa tornar possível reduzir a pena de um criminoso que entregar os comparsas. Alguém escreveu que trata-se do “dedurismo oficializado”, penso que não é isso. A delação é um instituto moderno e merece ser instrumentalizado com responsabilidade e vem sendo útil face do aumento contínuo do crime organizado.
A delação premiada tem sido a forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade, mas a delação não pode substituir a investigação policial.
Basicamente, na delação premiada ocorre um acordo entre o Ministério Público e o acusado, onde este recebe vantagens em troca das informações que fornecerá ao Ministério Público. Quanto mais informação for dada por aquele que delata, maior será o benefício a ele proporcionado. Como benefício ao delator pode ser concedida desde a substituição, redução ou isenção da pena, ou mesmo o estabelecimento de regime penitenciário menos gravoso, a depender da legislação aplicável ao caso.
A princípio não seria possível ou cabível qualquer crítica ao instituto da delação premiada, pois não se trata de novidade e tem se mostrado eficaz. Mas sempre é saudável a apresentação de críticas que busquem o aperfeiçoamento do instituto e de sua aplicação.

As críticas necessárias à delação premiada no contexto da Judicialização da Política e as prisões preventivas. Tenho escrito, faz pelo menos oito anos, sobre a questão da “judicialização da política” no Brasil. Mas há quem diga tratar-se a judicialização da política de um fenômeno global, profundo e sistêmico, estando além dos limites da política brasileira, pois a partir do pós-guerra, a democracia contemporânea passou a ser marcadamente constitucional, ou seja, passou a ser caracterizada não apenas pela soberania popular, mas pela salvaguarda de direitos das pessoas e das minorias de forma contra-majoritária, ou seja, garantindo-se direitos contra maiorias ocasionais.  O fato é que a judicialização da política, leva à politização do Judiciário e à equivocada criminalização da Política. Tudo sob a tutela de um sinistro espetáculo midiático que condena investigados e destrói reputações.

O abuso da instrumentalização das prisões preventivas exclusivamente para forçar delações é questão é tão séria que em entrevista recente o ministro Marco Aurélio de Mello do STF diz constatar que a Justiça brasileira passa por um momento crítico, em que a prisão preventiva passou a ser regra e a liberdade exceção entre os acusados. E mais, o Ministro Marco Aurélio afirmou que acompanha com incredulidade as notícias sobre a operação Lava Jato. Para ele os excessos do Juiz Moro, constituem um real reflexo do momento vivido pelo Judiciário brasileiro, um momento em que o juiz acaba “atropelando o processo”, o que é uma anomalia e uma violência às garantias duramente conquistadas.

Marco Aurélio afirmou que se impressiona com a condução coercitiva de acusados que sequer resistiram a prestar depoimento, caso do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. O Ministro afirmou: “A criatividade humana é incrível! Com 25 anos de Supremo, eu nunca tinha visto nada parecido. E as normas continuam as mesmas”.

Operação Lava Jato. As críticas necessárias feitas por grandes juristas à forma que Sergio Moro tem forçado a delação premiada, me parecem procedentes. Por que? Porque prender preventivamente para torturar o herege lembra o mudus operandi da santa inquisição. Lembrando que o Tribunal do Santo Ofício era uma instituição eclesiástica de caráter "judicial", que tinha por principal objetivo "inquirir heresias", daí também ser conhecido como Inquisição. As prisões preventivas estão na verdade sendo utilizadas para “forçar” delações. Isso é uma verdadeira violência, pois essa modalidade de prisão deveria ser utilizada apenas em situações extremas para evitar fuga eminente ou prejuízos reais à apuração e apenas nos estritos limites temporais necessários para tanto, mas tem sido usada como uma forma de constranger e torturar psicologicamente aqueles cuja culpa ainda não está comprovada e utilizar da prisão preventiva para obter delações é absolutamente ilegal e inconstitucional, inclusive. Aliás, poderiam ser chamadas de delações compulsórias e não de delações premiadas.

Alguns juristas têm afirmado que esse procedimento torna nula a delação e suas consequências, pois o procedimento que vem sendo adotado pelo Juiz-espetáculo seria uma espécie de confissão obtida sob tortura psicológica e mesmo física levando-se em conta as condições de nossos presídios e delegacias, sem contar os vazamentos seletivos promovidos evidentemente pelo citado Juiz ou por ele estimuladas.
Há uma horda de imbecis que estão a prestar tutela jurisdicional que banalizou e ideologizou a prisão cautelar ou preventiva. Li recentemente que cerca de 40% de nossa população carcerária está presa preventivamente, ou seja, foi presa sem ainda ter podido se defender do que foi acusada ou do que foi posta sob suspeita, Franz Kafka e o seu “O Processo” estariam presentes?
Outro aspecto a ser analisado são os vazamentos que tem ocorrido na Lava-Jato. E o vazamento de informações é crime do agente público que vaza ou deixa vazar, nunca do jornalista que meramente informa algo que é sempre de interesse público. Seria o Juiz-espetáculo Sérgio Kafka Moro um delinquente?
Bem, os vazamentos seletivos patrocinados, estimulados ou tolerados pelo tal juiz Sérgio Moro tem consequências perversas, pois em sendo seletivos, criam uma narrativa acusatória prévia e baseada em suposições e não em investigações de quem tem competência para investigar: as polícias.
O último aspecto a ser considerado é que o governo federal passou a sofrer ferrenha oposição da classe média alta urbana, segmento do qual a maioria dos juízes participa e se origina, logo por ele é influenciada. Isso não pode ser ignorado, pois confere caráter indesejado à prestação jurisdicional.
Diante dessas reflexões é possível afirmar que se não for instrumentalizada com honesta responsabilidade a delação premiada será verdadeira inquisição e, s.m.j., voltar à Idade Média não é desejo dos verdadeiros democratas.



[1] Código Penal (arts. e 159, §4º, e 288, p.u.), Lei do Crime Organizado – nº 9.034/05 (art. 6º), Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional – nº 7.492/86 (art. 25, §2º), Lei dos Crimes de Lavagem de Capitais – nº 9.613/88 (art. 1º, §5º), Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica – nº 8.137/90 (art. 16, p.u.), Lei de Proteção a vítimas e testemunhas – nº 9.807/99 (art. 14), Nova Lei de Drogas – nº 11.343/06 (art. 41), e, mais recentemente, na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – nº 12.529/2011 (art. 86).

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