O Procurador-Geral, o Senhor Gurgel, apresentou denuncia criminal
em face do ex-ministro Zé Dirceu, processo 470 que tramita no STF, sem haver
nenhuma prova e o fez contrariando entendimento jurisprudencial pacífico do
STF. Mas o Processo 470 processo tem relevância enorme, e apesar de a denúncia
do PGR não conter provas muitos apostam na condenação de Zé Dirceu.
Por quê? Porque há uma mudança de orientação jurisprudencial.
Noutras palavras o STF está alterando seu entendimento, sua convicção (ou para atender ao clamor midiático?), em pelo
menos duas avaliações jurídicas anteriores para justificar (ou obter?) a
condenação de alguns dos réus do chamado “mensalão”.
Uma delas é o novo entendimento da Corte sobre não ser
necessário o ato de ofício para que se configure o crime de corrupção
passiva. Foi justamente a exigência de ato de ofício que possibilitou a
absolvição do ex-presidente Fernando Collor em 1994, por falta de provas. À
época, o então ministro Sepúlveda Pertence sofreu uma derrota acachapante em
plenário ao defender justamente a irrelevância da comprovação do tal ato de
ofício, a contrapartida, para o crime de corrupção passiva. Agora, pressionados
pela mídia, a maioria dos ministros decidiram o contrário e consagraram o ponto
de vista derrotado em 1994 e interpretaram que basta o recebimento de favor,
sem necessidade de ato de ofício, para que alguém seja condenado por esse
crime. A modificação foi o que tornou possível a condenação do deputado federal
João Paulo Cunha, do PT de São Paulo, ex-presidente da Câmara dos Deputados,
por corrupção passiva (defendeu o entendimento até então majoritário o relator
Ricardo Lewandowski e afirmou que o Ministério Público não apresentou provas do
ato de ofício na acusação, o que é verdade).
Outra
mudança de visão fundamental na condenação de Cunha deu-se
em relação à lavagem de dinheiro. Quando a denúncia foi recebida pelo
tribunal em 2007, tanto o atual presidente do STF, Carlos Ayres Britto, quanto
Gilmar Mendes haviam demonstrado dúvidas sobre se o crime existira ou não.
Mendes chegara a classificar a hipótese de “fantasmagórica” por não enxergar
uma tentativa de ocultar o dinheiro no fato do então presidente da Câmara dos
Deputados ter enviado a mulher ao Banco Rural para sacar os 50 mil reais que
recebera do publicitário Marcos Valério.
Serão essas mudanças resultado da pressão dos grandes veículos
de comunicação sobre eles? Teria o STF, pressionado pelas espetaculares manchetes dos grandes
veículos de comunicação, alterado o entendimento jurisprudencial pacifico para
condenar o chamado “núcleo político” do processo 470, especialmente o
ex-ministro José Dirceu? Não sei. O que sei é que nenhuma prova foi produzida
contra o ex-ministro, isso mesmo, nenhuma testemunha ouvida durante as
investigações declarou objetivamente que ele é autor dos atos criminosos que o
procurador a ele imputa, não há sequer um documento indique que Zé Dirceu seja
de fato membro ou chefe de quadrilha ou que tenha orientado ou praticado
qualquer ato de corrupção, ou seja, o procurador busca a condenação do
ex-ministro mesmo sem provas. Como ele faz isso? O faz reconstruindo, a partir
de versões, depoimentos do tipo “fulano
me disse” e impressões de forte caráter ideológico (a serviço de quem
apenas ele e sua consciência sabem).
Essa mudança de entendimento do STF merece reflexão de gente
séria.
E há ainda o tal Gurgel, figura caricata que lembra Jô Soarez.
Gurgel é um obstinado.
Sobre a obstinação de Gurgel em condenar o Ministro José Dirceu (o
mesmo Gurgel que não viu “grandes problemas” nas ações de Carlinhos Cachoeira)
podemos fazer um paralelo com um filme “Rashomon”
de Akira Kurosawa. Assisti outro dia esse filme e penso ser possível o paralelo
entre a alegoria de Kurosawa e a atuação do nosso por enquanto Procurador-Geral.
Rashomon é um filme japonês de 1950 escrito e dirigido por Akira Kurosawa, vencedor do Oscar e do Leão de Ouro.
O filme sugere a impossibilidade de se obter a verdade sobre um evento quando
há conflitos de pontos de vista distintos e até mesmo ideológicos; há a
descrição de eventos (suposto estupro e assassinato) através dos relatos amplamente
divergentes de quatro testemunhas, incluindo o próprio criminoso e, através de
um médium, e da própria vítima.
A história
se desvela em flashbacks conforme os quatro personagens — o
próprio bandido, o samurai
assassinado, sua esposa e o lenhador sem nome — recontam os eventos de uma
tarde em um bosque. Mas é também um
flashback dentro de um flashback, porque os relatos das testemunhas são
recontados por um lenhador e um sacerdote para um grosseiro plebeu enquanto
eles esperam por uma tempestade em uma portaria arruinada. Cada história é
mutuamente contraditória, deixando o espectador incapaz de determinar a verdade
sobre os eventos.
No filme
não há uma solução para o suposto crime, até porque o objetivo de Kurosawa deve
ter sido a reflexão sobre a possibilidade/impossibilidade de se apurar a
verdade a partir de relatos contraditórios.
A partir do filme a palavra "Rashomon" passou a
ser referência para qualquer situação na qual a veracidade de um evento é
difícil de ser verificada devido a julgamentos conflitantes de diferentes
testemunhas. Na psicologia, o filme emprestou seu nome ao
chamado "Efeito Rashomon", que estaria relacionado ao caráter
reconstrutivo da memória, o termo é freqüentemente usado
por psicólogos em situações em que os observadores dão contas
diferentes do mesmo evento, e
descreve o efeito das percepções subjetivas
sobre recolhimento. A idéia de
que “não me lembro de coisas como
elas realmente acontecem” é
geralmente atribuída a Sir Frederick Bartlett (1886-1969). De
acordo com Bartlett, as memórias são
organizados dentro dos quadros históricos
e culturais (que Bartlett chamado 'esquemas') do
indivíduo, e o processo de
recordar envolve a recuperação de
informação que tenha sido inadvertidamente
alterados, a fim de que ele seja compatível com pré-existente conhecimento.
O Nosso procurador talvez precisa ser internado ou agraciado
com um Nobel, pois ele foi além do “efeito Rashomon”, ele não reconstruiu
memórias e testemunhos ele os criou, afinal ausentes os fatos e ações que
pudessem levar à condenação de Zé Dirceu o Procurador.
Tendo em conta essa mudança oportuna (?) de
posicionamento do STF e do obstinado Gurgel podemos citar Heráclito que afirmou
“Ser Homem é interpretar”, sim, é justo interpretar e alterar entendimentos,
mas Heráclito não disse para criarmos realidades, fatos e atos, não disse para
mentirmos, nem para sermos injustos.
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