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SOBRE POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS



Há fatos que justificam a política pública de ações afirmativas e política de cotas para negros nas universidades. Dentre os inúmeros fatos estão: a herança rural, a manutenção de privilégios de classe, o investimento tardio na educação (de responsabilidade das elites nacionais, as mesmas que se opõe às políticas afirmativas hoje), bem como o desigual acesso à estrutura de oportunidades, os quais são os elementos estruturantes de um cenário de extrema desigualdade que caracterizou por décadas a sociedade brasileira e que começou a mudar de fato a partir da luta pela redemocratização do país, da abertura política e especialmente da Assembléia Constituinte que teve inicio em 1986 e que terminou em 1.988.

E na última década e meia o debate sobre formas mais efetivas de implantação de políticas sociais com vistas a minimizar um quadro considerado por todos inaceitável para um país rico como o Brasil tomou corpo, nesse novo cenário as políticas afirmativas foram se consolidando como resultado de profundas e resistentes desigualdades, dentre elas a desigualdade racial, e do desejo genuíno da população de que isso mude verdadeiramente. O povo brasileiro é justo, generoso e honesto, ao contrário das duas elites.
Nunca na história do Brasil o Estado se ateve ao problema de promoção de acesso da população negra à estrutura de oportunidades, bens e serviços. Até mesmo no momento em que ganhou corpo o debate sobre as desigualdades raciais e dos processos demais discriminatórios da sociedade brasileira, tanto na arena política quanto na academia vozes contrarias ao próprio debate foram e são ouvidas. Os donos dessas vozes dissonantes parecem ter se esquecido que após a abolição da escravidão no país ao invés dos negros serem inseridos no novo Brasil eles foram expulsos das fazendas e lançados nos subúrbios das cidades e que o governo brasileiro daquele então trouxe brancos europeus que assumiram os postos de trabalho que por mais de três séculos e meio fora ocupado pelos negros em regime de escravidão.
Debater “ações afirmativas” nos permite diversas conexões entre filosofia política, teoria crítica e teoria social. Acredito que a questão da igualdade seja a principal delas.  Sabe-se que [...] a relação entre igualdade e diferença torna-se um tema espinhoso na medida em que impregna e ao mesmo tempo transborda a questão da cidadania. Segundo ele, o potencial integrador da igualdade opera como idéia extraordinariamente potente para equacionar em registros distintos tanto a questão da desigualdade quanto a questão da diferença: a primeira concebida no plano das disparidades socioeconômicas, das condições a perpetuarem o acesso desigual aos recursos materiais; a segunda entendida no terreno da atribuição do status da cidadania, da delimitação do conjunto de iguais que formam a comunidade política, isto é, da identidade” (Fraser, "A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação". Revista Crítica de Ciências Sociais, 2002, nº 63, pp. 7-20).
Questões do tipo: Como afirmar a diferença garantindo a igualdade? Como afirmar a igualdade sem negar a diferença? A questão-chave diz respeito à necessidade de se definir espaços avaliativos específicos quando se fala em igualdade, assim como é importante identificar quais diferenças são realmente válidas e necessárias para tratarmos das questões de reconhecimento de forma fundamentalmente democrática, pluralista e progressista.

No que diz respeito ao debate sociológico das desigualdades, temos de pensar e aceitar que as mudanças ocorridas na sociedade brasileira não estão descoladas de um debate que se dá também em outros contextos nacionais, portanto, a discussão sobre desigualdades em geral e desigualdades entre grupos, em particular, está em consonância com uma ampla literatura internacional que enfatiza cada vez mais os atributos individuais como sexo e "raça". Em algumas sociedades esses atributos são verdadeiros mecanismos produtores de desigualdades em diferentes contextos e as políticas afirmativas buscam solucionar ou, no mínimo mitigar essa realidade.
É fundamental também pensarmos a especificidade das relações raciais e da estrutura das desigualdades brasileiras, para ao analisá-las "teorizar a simultaneidade de dois fatos aparentemente contraditórios e amplamente tratados na literatura: a reprodução ampliada das desigualdades raciais no Brasil coexiste com a suavização crescente das atitudes e dos comportamentos racistas” (Guimarães, "Preconceito de cor e racismo no Brasil". Revista de Antropologia, 2004, vol. 47, nº 1, pp. 9-44, p. 33).
 Tendo em mente essa questão, é preciso analisar quais os efeitos das políticas afirmativas nas desigualdades e nas relações raciais? A experiência e os efeitos na vida dos beneficiários dessas políticas constituem um campo de investigação incipiente, porém importante.
Acredito que as políticas públicas afirmativas são necessárias e o tempo e os estudos tem mostrado que foi uma decisão correta, justa e generosa.
Em um estudo sobre o desempenho de estudantes na Universidade Federal da Bahia, no período 1993-1997, Queiroz (2001) já apontava que o desempenho no vestibular não é um indicador ips literis do desempenho nos cursos.
Contudo, quando se observam as médias de rendimento no curso, se percebe que uma vez passada a situação de competição característica do vestibular, os negros passam a ocupar uma posição melhor do que a dos mulatos aproximando-se da posição dos morenos (Tabela 2). Esse é um dado relevante porque leva a pensar sobre os processos de discriminação evidenciando o quanto o racismo tem efeitos perversos, muitas vezes sutis, para determinar os destinos dos indivíduos.
Há um trabalho muito interessante também que revela que o rendimento dos cotistas nos cursos, analisados acima, demonstra que o sistema de cotas permitiu que estudantes de bom desempenho acadêmico ingressassem na UFBA; tratava-se de uma demanda reprimida das escolas públicas que, pelo sistema tradicional, classificatório, não teriam nenhuma oportunidade na instituição, por isso repito: acredito que as políticas públicas afirmativas são necessárias e o tempo e os estudos tem mostrado que foi uma decisão correta, justa e generosa.

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