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Convalidação de atos administrativos


O Princípio da Legalidade é o princípio capital para configuração do regime jurídico administrativo, enquanto o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos.

E por não ter observado esse conceito e um Decreto Municipal o jovem ex-Diretor de Cultura de Campinas Gabriel Rapassi foi sumariamente exonerado e a autorização por ele expedida para que o circo Le Cirque apresentasse seus espetáculos na “Praça Arautos da Paz” invalidada pelo Secretário de Cultura Bruno Ribeiro. Penso que a exoneração foi acertada, mas a invalidação da autorização foi um erro.

Em razão disso (i) a companhia circense acabou notificada a desocupar a praça, mesmo já estando lá instalada e em vias de dar iniciam aos espetáculos, (ii) a cidade ficou sem essa possibilidade de entretenimento e (iii) o dono do Circo, provavelmente patrocinado por interesses nada republicanos ou democráticos, participa da criação de evidente factóide que beira o ridículo.
Mas vou me ater aos aspectos da invalidação da autorização. E pergunto: agiu bem quem orientou a invalidação da autorização expedida pelo ex-Diretor de Cultura de Campinas Gabriel Rapassi?
Penso que não. Penso que quem decidiu pela revogação da autorização, não observou as circunstâncias do fato, não conhece Direito Administrativo ou esqueceu-se que há duas formas de recompor a ordem jurídica violada, em razão dos atos administrativos ilegais, quais sejam, a invalidação e a convalidação.
Como assim? Para aplicar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político, qual seja: o de submeter aqueles que exercem o poder em concreto a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo garantir que atuação do executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral. O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a qualquer tendência de exacerbação personalista daqueles que exercem funções públicas.  
No Brasil o princípio da legalidade assentar-se na própria estrutura do Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, está radicado especificadamente nos artigos 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal, especialmente no art. 5º, II, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma senão em virtude de lei".
Nesse ponto vale uma reflexão. A Constituição não diz "em virtude de decreto, regulamento, resolução, portaria, etc.”. Diz-se "em virtude de lei", logo, a Administração não poderá autorizar proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte autorizar, proibir ou impor algo a quem quer que seja.
Portanto, a função do ato administrativo só poderá ser a de agregar à lei nível de concreção, nunca lhe assistirá instaurar originalmente qualquer cerceamento a direitos de terceiros. E para reforçar o entendimento do caráter subalterno da atividade administrativa, basta examinar atentamente o artigo 84, IV, da Constituição. De acordo com ele, compete ao presidente da República "(...) expendi decretos e regulamentos para sua fiel execução” (das leis). Evidencia-se que os decretos, inclusive quando expede regulamentos, só podem ser produzidos para ensejar execução fiel da lei. Ou seja: pressupõem sempre uma dada lei da qual sejam os fiéis executores.
Qual lei que o Decreto que proíbe a utilização da Praça Arautos da Paz pelo particular mediante a cobrança de preço pelos seus serviços? Penso que inexista essa lei, mas não é essa a abordagem que quero apresentar. Quero apresentar e debater a possibilidade de convalidação de atos administrativos em algumas circunstâncias.
O principio da legalidade determina que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina, mas não se pode perder de vista que o princípio da legalidade visa a que a ordem jurídica seja restaurada, mas não estabelece que a ordem jurídica deva ser restaurada pela extinção do ato inválido, e que há duas formas de recompor a ordem jurídica violada, em razão dos atos inválidos, quais sejam, a invalidação e a convalidação.
Assim, o mesmo princípio da legalidade que no primeiro momento faria supor que a administração fez bem em invalidar o ato do ex-Diretor de Cultura, apresenta formas de recompor a ordem jurídica, até mesmo pela economia da administração pública.
Aliás, a primeira forma de recomposição ou restauração da ordem jurídica é a convalidação e não a invalidação. A convalidação é ato pelo qual a Administração encampa os efeitos precariamente produzidos por um ato anterior inválido, aproveitando-os, validamente no universo jurídico. O que tal ato, também denominado de saneador, perpetra é o refazimento do anterior, dando-lhe condições da validade no campo jurídico.
Doutrinadores ensinam e orientam a possibilidade da convalidação, cujos efeitos são ex tunc, ou seja, retroativos, por tal motivo, a possibilidade de praticá-lo depende, teoricamente, de dois fatores: a) da possibilidade de repetir, sem vícios, o ato ilegal, porque assim poderia ter sido praticado à época; b) da possibilidade de este novo ato retroagir.
Em síntese, a administração pública estaria obrigada a restaurar a ordem jurídica, e isso é possível através da invalidação ou da convalidação de seus atos, esse é o posicionamento da maioria da doutrina brasileira. E quando houver possibilidade de convalidar o ato ilegal, tal procedimento se torna obrigatório.
E a convalidação não é ato discricionário (quando onde se tem liberdade de escolher, onde se pode eleger livremente o que fazer) a administração deve convalidar os atos administrativos sempre que comportar tal procedimento, e me parece que era o caso, afinal o circo estava instalado, o fato estava consolidado.
E a regra da Sumula 473 do STJ deve ser entendida com alguma inteligência. A Administração pode declarar nulidade de seus próprios atos, desde que, alem de (i) ilegais, eles tenham causado (ii) lesão ao Estado, (iii) sejam insuscetíveis de convalidação e (iv) não tenham servido de fundamento a ato posterior praticado em outro pleno de competência.
E no caso em comento está evidente que diante da ausência lesão à municipalidade o ato expedido pelo ex-Diretor de Cultura deveria ser convalidado e não invalidado, pois a convalidação que visa a restauração, não só do princípio da legalidade, mas da principiologia como um todo, no caso manteria a necessária estabilidade das relações constituídas, pelo princípio da segurança jurídica.
Em sendo assim, quando possível à convalidação dos atos viciados a Administração não poderá negar-se a fazê-lo, não devendo seguir de maneira totalmente formalista, mas voltando-se à Constituição e à aplicabilidade de seus princípios.  Há limites e critérios a serem observados na convalidação, mas é o que deveria ter ocorrido, especialmente porque o Supremo Tribunal Federal orienta que não se invalide os atos praticados por funcionário investido em cargo público, ainda que por lei inconstitucional, protegendo-se, assim, a aparência da legalidade dos atos em favor de terceiros de boa-fé.
Portanto, a questão da invalidade dos atos administrativos encontra-se inserida num confronto em que, de um lado está o princípio da legalidade, e de outro, o princípio da segurança jurídica, nem sempre devendo ser aquele privilegiado em detrimento deste, deve-se analisar o caso concreto.

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