No ultimo final de semana reencontrei um
jovem brilhante numa festa Junina. Ele, amigo de um dos meus filhos, viveu aventuras
válidas e sonhos indeléveis, tanto que apesar do tempo e da distância entre nós
o afeto genuíno pautou o encontro casual.
Bem, ele passou os últimos cinco anos vivendo
nos EUA, trabalhou no BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento e trouxe
consigo, além de experiência pessoal e profissional magnífica, sua linda esposa
e foi ela que, com uma pergunta simples, me causou enorme inquietação a ponto
de motivar a reflexão que compartilho com os leitores.
Ela me perguntou “onde estão os negros nessa festa?”.
Olhei no entorno e não haviam
afrodescendentes à vista, salvo nos servindo nas barraquinhas de quitutes ou
como seguranças e manobristas.
Confesso que fiquei muito
constrangido em constatar que o racismo no
Brasil é estrutural e institucionalizado, ele permeia todas as áreas da nossa vida
e o mais grave: nem percebemos.
A ONU recentemente fez publicar
um estudo sobre a situação da discriminação racial no Brasil e a conclusão é
que o mito da democracia racial ainda existe na sociedade brasileira, mas parte
substancial dessa mesma sociedade ainda nega a existência do racismo. As
constatações dos peritos da ONU, que visitaram o Brasil são claras: os negros
no país são os que mais são assassinados, são os que têm menor escolaridade,
menores salários, maior taxa de desemprego, menor acesso à saúde, são os que
morrem mais cedo e têm a menor participação no Produto Interno Bruto (PIB), no
entanto, são os que mais lotam as prisões e os que menos ocupam postos nos
governos.
Afinal, somos racistas?
Infelizmente sim.
E para a ONU um dos obstáculos
para reconhecer o racismo e superá-lo é o tal mito da democracia racial; ele [o
mito da democracia racial] acaba sendo argumento usado por conservadores para desacreditar
políticas e ações afirmativas. Uma ressalva: em 1933 quando publicou Casa-Grande & Senzala Gilberto Freyre não tinha a seu dispor um grande volume de
dados sociológicos sobre a população brasileira, o IBGE foi criado um ano
depois e o IPEA apenas na década de 1960, se ele tivesse acesso a pesquisas que
comprovassem a relação entre pobreza e cor de pele no Brasil, talvez sua teoria
da democracia racial brasileira nem existisse.
Não somos uma democracia racial e
alguns órgãos do Estado são caracterizados por um racismo institucional, nos
quais as hierarquias raciais são culturalmente aceitas como normais e para a ONU,
essa situação ainda afeta inclusive a capacidade da população negra em ter
acesso à Justiça.
E há dados importantes que
merecem ser conhecidos e sobre os quais temos que refletir. Apesar de fazer
parte de mais de 50% da população, os afro-brasileiros representam apenas 20%
do PIB. O desemprego do negro é 50% superior ao restante da sociedade, e a
renda é metade da população branca.
E há mais. A
expectativa de vida dos afro-brasileiros seria de apenas 66 anos, contra mais
de 72 anos para o restante da população e as taxas de analfabetismo são duas
vezes superiores ao restante da população.
A violência contra os negros também chamou
a atenção da ONU, só em 2010, 76,6% dos homicídios no país envolveram afro-brasileiros.
Outra grande
preocupação é a violência da polícia
contra jovens afro-brasileiros. A polícia, responsável por manter a segurança
pública, em alguns momentos revela Mas o racismo institucional, discriminação e
uma cultura da violência levam a práticas de um perfil racial, tortura,
chantagem, extorsão e humilhação em especial contra afro-brasileiros.
Mas não é só
tragédia. A ONU reconhece esforço do governo para lidar com o problema, mas alerta
que não há financiamento suficiente e nem recursos humanos para mudar a triste
realidade que o racismo representa.
O documento
da ONU denuncia a resistência de grupos políticos diante de projetos de leis
que tentam lidar com a desigualdade racial e mostra-se que o progresso feito
até agora corre o risco de sofrer uma regressão diante das ameaças de grupos de
extrema-direita.
Está passando da hora de enfrentarmos esse tema e acabarmos
com a barbárie que o racismo representa, pois como orienta o Papa Francisco "Com a Cruz, Jesus se une ao silêncio
das vítimas da violência, que já não podem clamar, sobretudo os inocentes e
indefesos; nela Jesus se une às famílias que passam por dificuldades, que
choram a perda de seus filhos, ou que sofrem vendo-os presas de
paraísos artificiais como a droga; nela Jesus se une a todas as pessoas
que passam fome, num mundo que todos os dias joga fora toneladas de
comida; nela Jesus se une a quem é
perseguido pela religião, pelas ideias, ou simplesmente pela cor da pele; nela
Jesus se une a tantos jovens que perderam a confiança nas instituições
políticas, por verem egoísmo e corrupção, ou que perderam a fé na Igreja,
e até mesmo em Deus, pela incoerência de cristãos e ministros do Evangelho".
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