O governo Temer
trouxe de volta a pauta neoliberal, propostas e ideias derrotadas nas urnas em
2002, 2006, 2010 e 2014.
Esse é o fato.
Com a reintrodução
da agenda neoliberal a crença cega no tal Estado Mínimo voltou a ser professada,
sem qualquer constrangimento e com apoio ostensivo da mídia corporativa.
Penso que a volta
das certezas que envolvem Estado mínimo, num país que ao longo da História não
levou aos cidadãos o mínimo de Estado, é apenas um dos retrocessos do projeto
neoliberal e anti-desenvolvimentista de Temer, pois não há nada mais velho e
antissocial do que o enganoso “culto da austeridade”, remédio clássico seguido
no Brasil dos anos de 1990 e aplicado na Europa desde 2008 com resultados
catastróficos.
Para
fundamentar a reflexão e a critica é necessário recuperarmos os fundamentos e princípios
constitucionais que regem a Ordem Econômica, especialmente para acalmar o
embate beligerante desnecessário, mas sempre presente.
A qual embate me
refiro? Me refiro ao tolo e recorrente o debate apaixonado/embate beligerante entre
os liberais (que defendem o tal “Estado
Mínimo” e um “mercado” livre de regulação estatal) e os socialistas (que defendem um Estado “forte”, no qual as atividades econômicas estariam sob a responsabilidade
do Estado e todos os estágios da produção estariam sob o comando do governo).
Nenhum
desses modelos está previsto na constituição e que me perdoem os liberais, mas a ação individual
não possui a capacidade de prover o interesse social, apenas a ação estatal,
não como negação da iniciativa individual, mas como condição mesma de sua
sobrevivência. Estado e livre iniciativa não se opõem, mas se complementam. A
livre iniciativa individual é cega em relação ao interesse social, mas, se for
inteligentemente dirigida e controlada pelo Estado, ela ainda é o meio mais
eficiente de se atingir o progresso econômico e social. Fazer é técnico e não
filosófico. Keynes afirma ser possível separar os serviços que são tecnicamente
sociais dos que são tecnicamente individuais. Assim, cabe ao Estado assumir
aquelas funções que estão fora do âmbito individual, aquelas decisões que
ninguém adota se o Estado não o faz, aquelas coisas que atualmente deixam de
ser feitas.
Aliás,
a nossa constituição orienta como deve ser a ordem econômica no nosso país e sua
Carta Política não contempla extremos, nossa ordem econômica, s.m.j., prepara e orienta o caminho da socialdemocracia,
via o social-liberalismo.
Apenas
para registro, social-liberalismo (também
chamado de liberalismo social, novo liberalismo, liberalismo moderno) seria um
desenvolvimento do liberalismo no início do Século XX que, tal como
outras formas de liberalismo, vê a liberdade individual como um objetivo
central do Estado, mas sua a compreensão de liberdade é diferente.
Se
para o liberalismo clássico liberdade
é a inexistência de compulsão e coerção nas relações entre os indivíduos, para
o liberalismo social a falta de
oportunidades de emprego, educação, saúde etc. podem ser tão prejudiciais para
a liberdade como a compulsão e coerção. Registre-se que o social-liberalismo
é considerado centrista ou de centro de centro-esquerda.
Portanto, a ordem econômica constitucional não pode ser compreendida
fora dessa quadra e quem defende o Estado Mínimo dá de ombros à ordem econômica
prevista em nossa constituição.
O
artigo 170 da Constituição determina que a ordem econômica no Brasil deve ser fundada
na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, que tem por
objetivo assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, ou seja, nem Estado Mínimo, nem Estado exageradamente interventor (o
fundamento da valorização do trabalho humano coloca em xeque a reforma da CLT
aprovada recentemente pelo congresso nacional, pois suas características condena
à indignidade o trabalho).
E
há também os princípios constitucionais
para o desenvolvimento válido da ordem
econômica, são eles: soberania nacional; propriedade privada; função social
da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno
emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no
País.
No
que diz respeito às empresas de pequeno porte o artigo 179 da CF determina que a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim
definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las
pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias,
previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas de tais
obrigações (não se pode esquecer que as micro e pequenas empresas concentram o
maior numero de empregados no Brasil; são responsáveis por cerca de 84% da
geração de empregos, enquanto as médias e grandes ocupam apenas 16% da mão de
obra).
E esses princípios que fundam a
Ordem Econômica estão em perfeita harmonia com os fundamentos da república contidos no artigo 1º da Constituição (soberania;
a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político) e com os objetivos
da república elencados no artigo 2º da CF (construir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir
o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação).
Ademais,
a ordem econômica deve assegurar a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo
nos casos previstos em lei.
Ao
Estado cabe o papel de agente normativo e
regulador da atividade econômica, exercendo, na forma da lei, as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado, ou seja, não há espaço para a ideia
de um Estado mínimo, pois, nas palavras de Paul Krugman, “É preciso muita ginástica intelectual para defender que o livre mercado
estabiliza a si mesmo. Muitos economistas até criaram explicações para que as
persistentes e elevadas taxas de desemprego não sejam mais consideradas
deficiência do mercado. Mas certamente esse não é um ambiente muito amistoso a
quem defenda o rigoroso funcionamento do livre mercado.”.
O debate necessário é o da qualidade dos serviços públicos, vamos enfrentá-lo, pois sem
Estado não haveria universalização da educação e do ensino, da saúde ou
da segurança pública; sem o Estado não haveria políticas públicas de
distribuição de renda, como o “Minha casa, minha vida”, PROUNI, FIES,
Seguridade Social; não haveria SEBRAE, universidades públicas, nem nada, apenas
o “eficiente” processo de acumulação de riqueza nas mãos de poucos e o caos
contido com a violência (pois, a juízo dos defensores do Estado Mínimo ao
Estado caberia apenas proteger a propriedade privada e a livre iniciativa).
Essa é a
reflexão.
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