"Nós, brasileiros, somos um povo sem ser,
impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a
mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos
nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por séculos sem consciência de
si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de
brasileiros..." (Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro)
A
plutocracia, através de seus vassalos, cassou o mandato de uma presidente que
não cometeu crime de responsabilidade, cassou porque quis cassar, cassou porque
não poderia esperar que a via democrática colocasse de volta no Planalto a sua
agenda e sua política econômica; cassou com diligente empenho de parte da
classe política e da imprensa, que manejou a opinião pública de forma vergonhosa.
Fato
é que o projeto nacional de desenvolvimento, projeto que os setores
progressistas passaram a implantar em 2003, foi abortado e o neoliberalismo (derrotado
nas urnas nas quatro ultimas eleições) está sendo colocado em prática
novamente: privatizações, flexibilização de direitos trabalhistas, redução de
investimentos em educação e saúde, além da nefasta proposta de reforma na
previdência, para citar uns poucos exemplos do por vir.
Um
vassalo da plutocracia, conspirador, golpista, potencialmente misógino e
racista, assumiu a presidência através de um Golpe de Estado; um presidente
ilegítimo cuja grande preocupação é salvar a própria pele, e a de seus sócios
nos malfeitos, das investigações e processos que haverão de mostrar à nação
quem são os grandes corruptos da política nacional.
E
a plutocracia, fleumática, segue a degustar, sem culpa, garrafas de Château Lafite 1787, ignorando
o Brasil, seu povo e suas aspirações.
Mas não podemos
ser arrogantes e ignorar que o Golpe de Estado só ocorreu porque a esquerda acomodou-se num
governo pragmático e excessivamente conciliador, progressista é verdade, mas
fundamentalmente conciliador; um governo que fez muitas coisas boas, algumas
excepcionais, mas insuficientes.
Insuficientes
porque não fez as reformas que deveria e poderia ter feito; não enfrentou temas
fundamentais como a reforma política, a reforma tributária e a regulação da
mídia, por exemplo.
Um governo
que se tornou arrogante e apostou que poderia manter os senhores do mercado
pacificados.
Arrogante
sim, pois não poderiam ignorar que a plutocracia condenou D. Pedro II ao
degredo, levou Getúlio Vargas ao suicídio, depôs João Goulart, apoiou o golpe
de 1964 e a ditadura que se seguiu ao golpe; tudo para cinicamente enviar
pêsames às famílias de JK, Jango e Lacerda...
O BRASIL MESTIÇO.
Há
quem afirme que o Brasil é um dos países mais miscigenados do mundo. E nossa
diversidade seria resultado da contribuição de vários povos; a formação da
nossa identidade é resultado dessa diversidade, nela estão presentes os índios,
os primeiros colonizadores (os portugueses) e imigrantes (franceses,
holandeses, italianos, japoneses, alemães, espanhóis, libaneses, sírios, dentre
outros) e, a meu juízo, a maior contribuição vem dos negros vindos da África.
Não
se pode perder isso de vista essa realidade constitutiva de nossa história
quando falamos em desenvolvimento, nem a perspectiva de que todo o
desenvolvimento válido depende de um projeto nacional e regional.
Ignorar
a diversidade, ignorar que nossa grande riqueza está na nossa miscigenação e que
é da diversidade que emerge a brasilidade, representa frear o desenvolvimento virtuoso
para o qual o Brasil está destinado.
A
plutocracia despreza a riqueza humana do nosso país, despreza o Brasil e suas
peculiaridades, não se pode esquecer disso.
POR UM PROJETO DEMOCRÁTICO DE DESENVOLVIMENTO.
Podemos
afirmar que sem projeto nacional, ampla e democraticamente debatido com a
sociedade, não haverá desenvolvimento.
Apenas
a existência de um projeto demonstraria preocupação com o futuro e, como diz
Bauman, “quem não se preocupa com o futuro,
faz isso por sua conta e risco”.
A
plutocracia nunca se preocupou, nem ocupou de apresentar ao debate um projeto
de desenvolvimento nacional, pois ela não há democratas ou patriotas entre eles
e seu olhar sempre foi limitado aos seus interesses e para além mar.
Ademais,
a plutocracia sempre relativizou a democracia, ou a desconstruiu de acordo com
seus interesses, por isso toda a prosperidade no Brasil é de curto prazo, assim
como episódicos são os períodos de estabilidade democrática.
E,
por falar em prosperidade, merece registro que o liberalismo - ideologia da
plutocracia - promete prosperidade através do mercado livre e do sistema
financeiro sem regulação, mas isso não é factível, pois o mercado e o
sistema financeiro, sem regulação estatal séria, são apenas geradores de crises
mundiais cíclicas e odiosa concentração de renda e riqueza nas mãos de poucos.
Mas
não sejamos injustos, afinal o liberalismo é eficiente na ampliação da
injustiça social, pois no liberalismo plutocrático não há equidade possível ou
desejável, não há projeto nacional de desenvolvimento e não há democracia.
O
sistema econômico liberal depende da existência daquilo que Bauman chama de “mercados frágeis” para seguir a sanha
expansionista, o que, como uma nuvem de gafanhotos, é devastador.
Nesse
expansionismo de gafanhotos reside o
descaso com o projeto nacional. Há ainda a ausência de preocupação ou
compromisso com as pessoas, tanto é verdade que a sucessão de “bolhas”, que
expandem além da capacidade e da realidade e explodem impondo a toda uma
geração perdas e sofrimento, fato que não causa nenhum tipo de dor ou
arrependimento à plutocracia ou seus lacaios.
TEMPO DE RESISTÊNCIA.
Denunciar o golpe, denunciar os
arquitetos do golpe e seus operadores são algumas das lutas fundamentais em curso
que merecem a nossa atenção e ação, mas há outras questões que não podem ser
esquecidas, pois elas são estruturantes.
Há a questão LGBTTT, a questão
indígena, a questão dos negros, a questão das mulheres, há a questão da
juventude urbana das periferias e da cultura que lá é produzida, há o renascido
movimento estudantil, há a questão cultural propriamente dita, a questão agrária
não pode ser esquecida, o debate sobre a reforma urbana e a indesejada
apropriação de espaços públicos por interesses privados, a nova família, etc.,
etc. etc.
Essas e outras são questões fundamentais que apenas o setor
progressista é capaz de compreender seu valor transformador e a semente
revolucionaria nelas contidas.
Conhecer e compreender essas questões e debatê-las é fundamental
para não legarmos aos nossos filhos e filhas o sentimento de resignação de que
a boa vida deve refletir valores de uma sociedade burguesa, branca, que busca
adequar-se a um emprego sem sentido, uma família tradicional, uma casa numa
periferia pensada como adequada por quem não vive lá, afinal a transformação da
realidade e o caminho do progresso emana das ruas, da sociedade e não de algum
gabinete luxuoso na Avenida Paulista ou na Esplanada dos Ministérios.
Já escrevi e repito: tempo de
resistência, de autocrítica e de luta, não de revanche.
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