As recentes e incomuns farpas que vimos
nessas duas últimas semanas entre o MPF de Curitiba e o Ministro Gilmar Mendes
merecem reflexão.
O que de fato significa tudo isso?
Lembrei-me do tenentismo e questionei se estaríamos vivemos uma espécie de tenentismo em pleno Século XXI, um neotenentismo?
Serão os jovens promotores e juízes “de
baixa patente” os novos tenentes?
Serpa que assim como os rebeldes do
inicio do século XX, os jovens promotores e juízes estariam descontentes com a
situação politica do país e por isso passaram a buscar reformar instituições e
estruturas a seu modo?
Vamos antes relembrar o que foi o
tenentismo... O tenentismo foi o nome dado ao movimento
político-militar (e à série de rebeliões de jovens oficiais de baixa e média patente do
Exército Brasileiro no início da
década de 1920).
Os jovens militares do inicio do século
XX, descontentes com a situação política do Brasil, propunham reformas na
estrutura de poder do país.
Dentre as reformas se destacavam o critica
ao do voto aberto - o chamado voto de
cabresto -, propunham a instituição do voto secreto e a reforma na educação pública; o movimento contestava também a ação política e social dos
governos representantes das oligarquias cafeeiras e o coronelismo vigente.
Embora suas posições
fossem ao mesmo tempo conservadoras e autoritárias, os tenentes defendiam
reformas políticas e sociais necessárias naquele momento, mas no seu discurso estava
presente os sempre sedutores combate à corrupção
e defesa da moralidade política.
O tenentismo
ganhou força entre militares de média e baixa patente durante os últimos
anos da República Velha, num contexto em que a inconformidade das classes
médias urbanas contra os desmandos e o conservadorismo presentes na cultura
política do país.
O tenentismo
era evidência da decadência e diluição da hegemonia dos grupos políticos
vinculados ao meio rural brasileiro, a aristocracia cafeeira.
Os movimentos tenentistas foram: (i) a Revolta
dos 18 do Forte de Copacabana em 1922, (ii) a Revolução de 1924,
(iii) a Comuna de Manaus também de
1924 e (iv) a Coluna Prestes.
A quem defenda a ideia que a Coluna Prestes buscava conscientizar a
população contra as injustiças sociais promovidas pelo governo republicano
controlado pelos latifundiários e pela aristocracia cafeeira, mas o fato é que o
movimento tenentista perdeu força após a Revolução de 1930, pois Getúlio conseguiu
produzir uma divisão no movimento e importantes nomes do tenentismo passaram a atuar como interventores federais.
Há coincidência a ser considerada: os jovens promotores e juízes do inicio
do século XXI, querem reformas, assim como os jovens
militares do inicio do século XX, mas ambos possuem uma espécie de povofobia; querem reformas a fórceps, sem
participação popular, sem consulta popular, relativizando a democracia,
relativizando e desrespeitando direitos e liberdades e de forma extremamente
autoritária.
Assim não me servem as reformas, sem democracia nenhuma reforma é
válida.
Os jovens promotores e juízes de hoje buscam afirmar suas certezas
através da judicialização da politica, da politização do judiciário, da
criminalização da politica e dos políticos, tudo com diligente apoio da mídia que
transforma cada fase das investigações em espetáculo.
Bem, voltemos à tensão presente entre o ministro Gilmar e os
investigadores da Lava-Jato...
Recentemente Gilmar atribuiu aos investigadores da Lava-Jato a
responsabilidade pelos vazamentos de parte do conteúdo das delações de Léo
Pinheiro (personagem ligado à empreiteira OAS e que dispensa maiores apresentações).
O que o ministro afirmou é muito sério.
O ministro defendeu expressamente que os investigadores sejam investigados.
Situação aparentemente surreal, num país surreal, mas correta.
Gilmar afirmou já ter visto isso em outras situações e épocas no país
e que, “depois, esses falsos heróis vão
encher o cemitério”, disse ainda que não seria o caso de suspender a
delação ou prejudicar quem esteja disposto a contribuir com a Justiça e que há
evidente abuso de autoridade dos investigadores.
O ministro Gilmar Mendes, a quem critico tanto aqui no 247,
desqualificou - com rara lucidez - pelo menos uma das medidas das “10 propostas
contra a corrupção”, defendidas pelos neotenentes
de Curitiba: a que diz que prova ilícita feita de boa-fé deve ser validada.
Ora, defender uma bobagem desses é coisa de fascista, é defender o fim
do sistema jurídico brasileiro, ou como disse o ministro “Quem faz uma proposta dessa não conhece nada do sistema. É um cretino
absoluto”, afirmou.
Gilmar Mendes afirmou ainda que essa medida, se aprovada, legitimaria até
mesmo a obtenção de provas mediante tortura.
Fato é que todo movimento social genuíno é válido e legitimo. Mas o combater a corrupção
através das tais “10 propostas...” é flertar com o fascismo.
E pior, isso vem sendo apresentado pela mídia como sendo a principal ou
única agenda nacional, em torno da qual a sociedade e o governo federal deveriam
mover-se, quase que exclusivamente.
Penso que o combate à corrupção é necessário, mas não é uma agenda
propriamente dita, não se deve suspender os programas e projetos de Estado ou
de governo por conta disso, pois ele deve estar contido nas ações cidadãs, nas
ações de Estado e de todas as estruturas e instituições publicas e privadas do
País. Por outro lado, nossa postura em relação à corrupção deve ser denunciar,
combater os efeitos e eliminar as causas.
Para o que se faz necessário entender as raízes da corrupção. Sem essa
reflexão não me parece válido debater o tema.
Combater a corrupção com respeito à democracia,
aos direitos e liberdades, separando a luta genuína de um indesejado moralismo tenentista e lacerdista é fundamental, sem isso estarão os incautos a defender o
fascismo oculto nas sedutoras propostas do neotenentismo.
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