O tal “Programa Escola sem Partido” [1]
apresenta-se como iniciativa de estudantes e pais, que estariam preocupados com
o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os
níveis. Mas não é isso, é apenas mais um exemplo da inflexão conservadora, mais
um movimento que busca afirmar sua própria ideologia e o faz de forma
dissimulada.
Tentando apresentar-se ideologicamente asséptico
o grupo revela-se ideológico e partidário quando afirma: “A pretexto de transmitir aos alunos uma
“visão crítica” da realidade, um exército organizado de militantes travestidos
de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das
salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo.”.
O que o grupo liderado por um senhor chamado Miguel Nagib pretende é implantar uma espécie de macarthismo em nossas escolas, implantando odiosa censura, através de uma vigilância policialesca a conteúdos apresentados pelos nossos professores. O jornalista Luiz Carlos Azenha escreveu um belo artigo[2] sobre essa questão.
Há até um Projeto de Lei tramitando no congresso o qual, sob o pretexto de defender princípios tais como "neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado", "pluralismo de idéias no ambiente acadêmico", “liberdade de consciência e de crença” coloca, na prática, o professor sob constante vigilância, principalmente para evitar que afronte as convicções morais dos pais.
Mas quais seriam as
convicções morais do país sob risco de afronta, segundo os zelosos estudantes e
pais?
A Constituição
Federal responde essa questão. No seu artigo 205 a CF traz como objetivo
primeiro da educação o pleno desenvolvimento das pessoas e a sua capacitação
para o exercício da cidadania para, em seguida, enunciar também que o propósito
do processo educacional é a qualificação para o trabalho.
Não há enunciados inúteis em nossa
constituição. A ordem posta (1º capacitação para a cidadania e 2º qualificação
profissional) não está ao acaso. Nossa constituição busca orientar a atuação
estatal dentro de uma visão e ação plural da sociedade nacional.
Noutras palavras, a escola é espaço livre para
a construção da cidadania, espaço onde se colocam livremente as idéias num
processo dialético e mágico, um processo formativo da cidadania, uma cidadania fundada
no respeito e pluralidade; esse é o país que nossos constituintes indicaram, um
caminho que não se pode alterar com leis ordinárias oportunistas.
O Projeto de Lei da “Escola sem Partido”,
assim como o tal “Programa Escola sem
Partido” mentem descaradamente quando propõe uma “neutralidade ideológica”. A "neutralidade ideológica" é uma
impossibilidade, temos que defender a pluralidade das idéias, a rica
diversidade como processo necessário de construção cotidiana da cidadania.
O que esse tal “Programa
Escola sem Partido” pretende é impor sua ideologia promovendo crenças e valores
compatíveis com ela, desqualificando idéias que possam desafiar suas certezas e
excluindo formas colidentes com o seu pensamento. Esse tal “Programa Escola sem Partido” obscurece a realidade
social de modo a favorecer sua própria ideologia.
Outro aspecto a ser observado é que não há ideologia
neutra. Ao contrário a ideologia é uma forma de "pensamento de
identidade", que expulsa para além de suas fronteiras singularidade,
diferença e pluralidade, noutras palavras o oposto da ideologia não é a “verdade”
ou a “teoria”, mas a heterogeneidade.
Por isso o Projeto de Lei sob comentário é
retrato do inconformismo dos derrotados em 1988, e o discurso que procura
qualificá-lo flerta com o mau-caratismo tão próprio daqueles que combatem a vitória
das diversas lutas emancipatórias contempladas em nossa constituição.
Nesses tempos sombrios uma de nossas tarefas
é a defesa de uma sociedade aberta a múltiplas e diferentes visões de mundo; manter
a escola como espaço estratégico para a emancipação política, convivência com a
diversidade, entendimento global e a construção de uma cultura de paz e
respeito.
Ademais, como muito bem alertou o MPF a
iniciativa legislativa nasce eivada de inconstitucionalidades, pois o projeto de lei que quer implementar o tal Escola Sem
Partido é inconstitucional, pois impede o pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas, nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de
aprendizagem e contraria o princípio da laicidade do Estado.
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