Sim, o que ocorreu foi um
Golpe de Estado e ele atenderá aos interesses tão próprios da lógica liberal, tudo
para felicidade da Fiesp, da Febraban, das aristocracias urbanas - as quais se
apropriaram do Poder Judiciário e do Ministério Público - e dos barões da mídia
e suas relações impublicáveis com interesses transnacionais e nada
republicanos.
Mas o Golpe de Estado só
ocorreu porque a esquerda acomodou-se num governo reformista, progressista é
verdade, mas fundamentalmente reformista; um governo que fez muitas coisas
boas, algumas excepcionais, mas insuficientes.
Insuficiente porque não fez
as reformas que deveria e poderia ter feito; não enfrentou temas fundamentais
como a regulação da mídia, por exemplo. Um governo que apostou
que poderia manter os senhores do mercado pacificados.
Eles venceram, mas o
sinal não está fechado, é tempo de autocrítica, de curar as feridas e
reorganizar o exercito para as novas batalhas nessa nossa guerra que parece não
ter fim.
Fato é que desde o início
deste século um conjunto importante de mudanças aconteceram e a América do Sul
protagonizou tudo isso, tendo o Brasil como liderança mundial incontestável e fundamental,
mudanças que agora estão sob forte ameaça
conservadora (Lejeune Mirhan, um dos intelectuais mais vigorosos que conheço,
afirma que “o golpe cumpre o objetivo imperialista de retirar o ‘B’ do BRICS”).
Contudo, governos e movimentos
progressistas passaram a sofrer ataques de setores conservadores com o objetivo
de desmoralizá-los e criminalizá-los, o que não ocorre apenas no Brasil, mas é
aqui que vivemos.
Boaventura Santos, o
intelectual europeu mais próximo de nós, fez criticas que não foram ouvidas enquanto
o processo sul-americano avançava.
O sociólogo português chamou
atenção para o fato de as mudanças estruturais estarem sendo deixadas de lado.
No Brasil, muito
especialmente, a opção foi valer-se do “boom” das commodities e usar parte dos ganhos
para alguma redistribuição de riquezas, foi política pública muito
relevante, inédita, mas insuficiente e desacompanhada de formação política
necessária, como diz meu amigo Kalil Bittar. O debate político era tarefa dos
partidos de esquerda, mas seus principais quadros estavam embriagados do
institucionalismo governista.
Em contrapartida à
inédita redistribuição de riquezas realizada com parte dos ganhos do “boom” das
commodities o governo reformista permitiu que as oligarquias mantivessem
riqueza e acumulassem mais poder ainda. Mas ai surge o pré-sal, que apenas nas bacias marítimas sedimentares de Campos e Santos,
contém ao menos 176 bilhões de barris de recursos não descobertos e
recuperáveis de petróleo e gás natural (barris de óleo equivalente), de acordo
com um estudo publicado por Cleveland
Jones e Hernane Chaves, do Instituto Nacional de Óleo e Gás da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), há ainda quem estime o valor total dessa
riqueza em 17 trilhões de dólares, ou seja, o interesse do mercado
internacional pelo ganho decorrente da exploração dessa riqueza nacional passou
a ser inconciliável com o governo brasileiro, que mesmo reformista se opôs em
ceder aos interesses do mercado internacional.
Mas faltaram reformas
estruturais. E não nos basta agora bravatas revolucionárias, para a retomada de
uma caminhada progressista não agrupar partidos de esquerda numa sala e definir
ações ousadas... A esquerda não tem apoio para isso, prova disso é a
irrelevância eleitoral dos partidos comunistas e socialistas no país, razão
pela qual é fundamental cuidarmos do PT, pois sem um partido como PT a esquerda
não existe validamente. Essa é a verdade.
Há lutas fundamentais em
curso que merecem a nossa atenção. Há a questão LGBTTT, a questão indígena, a
questão dos negros, a questão das mulheres, há a questão da juventude urbana
das periferias e a cultura que lá é produzida, há o renascido movimento
estudantil, há a questão cultural propriamente dita, a questão agrária não pode
ser esquecida, o debate sobre a reforma urbana e a indesejada apropriação de
espaços públicos por interesses privados, a nova família, etc., etc. etc.
Essas e outras são questões
fundamentais que apenas a esquerda é capaz de compreender seu valor
transformador e a semente revolucionaria nelas contidas. Conhecer e compreender
essas questões, debatê-las é fundamental para não legarmos aos nossos filhos e
filhas o sentimento de resignação de que a boa vida deve refletir valores de
uma sociedade burguesa, branca, que busca adequar-se a um emprego sem sentido,
uma família, uma casa numa periferia pensada como adequada por quem não vive lá,
pois a transformação da realidade e o caminho do progresso emana das ruas, da
sociedade e não de algum gabinete luxuoso na Avenida Paulista ou na Esplanada
dos Ministérios.
É tempo de resistência,
de autocrítica e de luta, não de revanche.
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