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Bernie Sanders e a redistribuição de riquezas


Enquanto na América-latina a esquerda vem sofrendo reveses eleitorais importantes um socialista, filho de imigrantes poloneses faz sucesso nos EUA e complica a vida da favorita pelo Partido Republicano Hillary Clinton. O nome dele é Bernie Sanders.

Bhaskar Sunkara escreveu que “... um socialista possa ser popular na América do século XXI é algo que surpreende os observadores. A existência de personalidades políticas ancoradas na esquerda não é uma anomalia na Europa, mas o é nos Estados Unidos, país que jamais abrigou um partido popular de massa capaz de chegar ao poder e estabelecer um regime de redistribuição de grande magnitude.” [1], de fato é um fato novo, mas não me surpreende, pois nos EUA, 15,1% da população é pobre e dados do censo de 2011[2] mostraram que outros 46,2 milhões vivem abaixo da linha da pobreza. O número absoluto é recorde histórico.

Cada vez mais, os americanos procuram instituições especializadas em serviços de alimentação, oferecendo assistência diária em programas e serviços para famílias de baixa renda, jovens e moradores de rua. A média de renda familiar teve uma queda de 6,4% em relação a 2007, último ano antes da crise econômica que os Estados Unidos ainda lutam para sair, apesar de os liberais brasileiros insistirem que por lá a crise é passado.
E não é só. Os Estados Unidos têm atualmente uma das menores taxas de mobilidade social entre países desenvolvidos[3]. Assim, um americano que nasce pobre tem uma grande possibilidade de permanecer na pobreza ao longo de sua vida.

Por essas e outras Bernie Sanders é a novidade, mas não é surpresa ele ter o que dizer e estar sendo ouvido pelo eleitorado.

Mas o que ele pode nos dizer?

Bem, o grande exemplo de Sanders é a coerência. Ele se manteve socialista num tempo em que eventos históricos dos mais relevantes pareciam sepultar o socialismo e a possibilidade de uma sociedade mais humana e com justiça social. Sanders lança sobre os eventos do seu tempo um olhar generoso e sua militância incansável. Mas a luta do Senador socialista Sanders é pela redistribuição da riqueza, ele não se ocupa com o debate sobre a propriedade ou controle dos meios de produção, parece reconhecer a impossibilidade histórica de idéias como essas duas ultimas.

Mas o que significa a “redistribuição da riqueza”?

Bem eu sigo defendendo a distribuição de riqueza através de uma reforma tributária que elimine a crueldade que a concentração de renda representa em todos os países. No Brasil, por exemplo, os 10% mais ricos detém 52% da riqueza e o 1% mais rico se apropria de 23,2%; há um desequilíbrio intolerável para sociedades democráticas genuínas. Uma reforma tributária deve desonerar salários, o consumo, o comércio e a indústria e tributar com justiça o patrimônio e a renda do capital.

Os ricos no Brasil em especial pagam menos impostos em proporção da sua renda, do que um cidadão típico de classe média alta, sobretudo o assalariado, violando o principio da progressividade tributária. Por isso a bandeira de Sanders pela redistribuição de riqueza merece atenção. No Brasil a renda dos ricos é, em grande parte, isenta de qualquer incidência tributária.

Aqui cerca de metade da carga tributaria brasileira provém de tributos sobre bens e serviços, que, proporcionalmente oneram mais a renda dos mais pobres e, paradoxalmente, entre os países membros da OCDE (organização que reúne economias desenvolvidas e em desenvolvimento e que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia livre de mercado) apenas o Brasil e a Estônia isentam a distribuição de dividendos de imposto de renda da pessoa física, como alguém escreveu: “Nem os governos Reagan, Busch e Thatcher conseguiram fazer o que o governo brasileiro fez em 1995 ao isentar lucros e dividendos” [4].

O país clama por uma reforma tributária voltada para a redistribuição de renda, que respeite a capacidade contributiva e a progressividade, e o Estado, por sua vez, deverá efetuar sua contraprestação: proporcionando serviços públicos de qualidade, os quais permitam e estruturem o desenvolvimento da população de maneira a garantir a formação de verdadeiros cidadãos, plenos em sua dignidade humana.


[1]Um socialista em busca da Casa Branca”, no  http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=2021
[2] http://www.estadao.com.br/blogs/jt-seu-bolso/2011/09/14/nos-eua-151-da-populacao-e-pobre/
[3] http://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2012/02/120215_pobres_eua_rc.shtml
[4] “O paraíso dos super-ricos”, Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair.

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