Sérgio Moro não esconde sua admiração pela operação
“mãos limpas”, ele escreveu: “A denominada “operação mani pulite” (mãos
limpas) constitui um momento extraordinário na história contemporânea do
Judiciário.”[1].
De fato foi um momento interessante na
História contemporânea de protagonismo do Poder Judiciário, mas não se pode
esquecer que aquela operação na Itália, uma das mais
impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e
administrativa, só atingiu seus objetivos, só houve a propalada eficácia no
combate à corrupção e suas causas estruturais em razão do regime democrático,
pois sem democracia não há validade ou legitimidade nos atos de nenhum dos
Poderes. Assim como não se pode olvidar que a Judicialização da Política cobrou
um preço alto na Itália e no Brasil não será diferente, mas esse tema fica para
depois.
A “Operação Lava-Jato”
só existe e tem as condições necessárias para atingir seus objetivos porque (i)
vivemos uma democracia, (ii) porque a imprensa, apesar de partidarizada e
ideologizada, é livre como nunca foi e (iii) porque o governo federal não
interfere. Isso também deveria ser valorizado e igualmente divulgado, mas não
é. E sempre podemos apontar aspectos que merecem autocrítica do pessoal do
Paraná.
SOBRE O USO DA IMPRENSA.
No DCM é possível ler um artigo interessante[2]
e revelador assinado por Kiko Nogueira que recupera e divulga um ensaio[3]
no qual o Juiz Sérgio Moro defende o uso da imprensa para que processos penais
contra poderosos tenham um desfecho que interesse à sociedade.
Concordo com ele, pois é de interesse público o desenvolvimento de processos como o que
busca desvendar os segredos e malfeitos ocorridos na PETROBRÁS, mas o que vejo
naquele que chamo de “Tribunal do Santo Oficio de Curitiba”, é menos uma cruzada judicial contra a
corrupção política e administrativa e mais a busca frenética de criminalização
de um partido e uma sanha imoral para envolver o ex-presidente Lula em
malfeitos nos quais não há indícios que tenha se envolvido.
O uso da imprensa,
defendido por Moro no citado ensaio, esbarra na prática em dois problemas. O
primeiro problema é que as informações são passadas à imprensa de forma
seletiva, o que revela o caráter politizado e partidarizado de uma operação que
deveríamos apoiar sem ressalvas não fosse a sua verdadeira natureza; e o
segundo decorre do fato de a imprensa tradicional portar-se como um partido político
de oposição ao governo federal, ou seja, maximiza tudo que envolve o PT e
minimiza tudo que envolve seus amigos tucanos.
Vejamos alguns
exemplos:
PAULO
HENRIQUE vs FABIO LUIS.
Por conta dessa seletividade o filho mais velho do
Presidente Lula, Fábio Luis e seus sócios estão no purgatório desde que a
TELEMAR comprou debêntures da empresa deles e exerceu o direito de
transformá-las em ações em 2005, numa operação de 5 milhões de reais, tudo
declarado à Receita Federal e aprovado pela CVM. Escrevi sobre isso em 2010[4].
Nenhuma ilegalidade identificada apesar de exaustivamente investigados, mas o
fato é tratado como “negociata” e posto sob suspeita desde então.
Por outro lado não houve, e não há indignação alguma,
genuína ou fomentada pela imprensa, quanto ao caso de superfaturamento na
construção do estande brasileiro na Feira de Hannover em 2000 envolvendo Paulo
Henrique Cardoso, filho do Presidente FHC[5]
no valor de 24 milhões, equivalente a mais 50 milhões hoje. Nenhuma indignação
ou curiosidade da PF, MPF, Judiciário ou imprensa quando ao custo real do
estande, cerca de 1,5 milhões, comprovadamente... Com quem ficou o restante do
dinheiro público? O filho de FHC foi denunciado pelo MPF é verdade, mas o
assunto não mereceu e não merece atenção quanto ao desfecho.
Triste essa disparidade de tratamento. Pois a
empresa do filho do Presidente chegou a ter 150 funcionários, funciona
regularmente e produz conteúdos de qualidade, basta assistir o canal da PlayTv
ou consultar no site da empresa[6],
já o estande de Paulo Henrique Cardoso deve ser sucata faz tempo...
E não é só.
FHC
vs LULA.
No final do seu mandato FHC promoveu um
jantar no Palácio do Planalto para grandes empreiteiras e banqueiros (Odebrecht,
Gerdau, Lázaro Brandão, entre outros) com o objetivo de obter dinheiro para o
financiamento de seu instituto após sair da presidência. Esse fato é publico e
num belo artigo Guilherme
Boulos[7] afirma que
só naquela Fernando Henrique teria obtido
7 milhões de reais em doações. Não é difícil imaginar o espetáculo midiático
que teria ocorrido se fosse o ex-presidente Lula a promover um jantar com esse
objetivo.
Há outros exemplos de “tratamento compreensivo e diferenciado” em
relação aos políticos do PSDB...
AÉCIO NEVES.
Após 12 anos de governo do PSDB à frente do Estado de Minas
Gerais, dados dos gastos com publicidade nas empresas de comunicações do
ex-governador Aécio Neves (PSDB) e família vêm a público e revelam que foi
repassado um total R$ 1,2 milhão a três rádios e um jornal, todos ligados à família
de Aécio Neves segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo. Onde está
a indignação da mídia moralista e dos zelosos representantes do Ministério
Público de Minas Gerais?
Ainda sobre Aécio Neves merece registro que sua irmã, a jornalista Andrea Neves da Cunha, comandou o
órgão responsável por coordenar a aplicação de recursos de publicidade do
governo de Minas Gerais no mesmo período em que veículos de imprensa da família
Neves receberam verba publicitária referentes a anúncios do governo do Estado.
Qual o nome que se dá a isso? Patrimonialismo, imoralidade, corrupção? Podemos
escolher. Mas o fato é que isso não merece destaque da mídia, nem providências
do Ministério Público. Por quê?
Aécio Neves é um caso a parte... Em 2010, quando era governador de Minas Gerais desapropriou
uma área de propriedade de seu tio-avô Múcio, o qual com o valor inicial da desapropriação
teria resolvido seus problemas financeiros. Fato é que o Estado de Minas gerais
gastou R$ 14 milhões na construção de um aeroporto dentro de uma fazenda de seu
tio no município de Cláudio em Minas Gerais. Um aeroporto inútil. Inutilidade
que se verifica pelo fato de seu tio avô de Aécio Neves ser o guardião das
chaves do portão do aeroporto e de seus filhos serem plenipotenciários no que
diz respeito às autorizações de quem pode ou não pousar ali. Ou seja, na
prática é um aeroporto privado construído com dinheiro público. Mas esse fato não
merece atenção os a ira dos milicianos da neo-UDN ou do diligente MP mineiro.
Não vou nem entrar no mérito da
corrupção de FURNAS[8],
capitaneada por Aécio Neves. Esse tema merece um outro artigo.
VERÔNICA SERRA.
Outro caso tratado
com “descuido” pela zelosa e imparcial imprensa envolve a filha de José Serra,
palmeirense da Mooca.
Verônica Allende
Serra, entre os 25 e os 30 anos se tornou um fenômeno do mundo dos negócios ao
ganhar milhões em período tão curto.
Podemos consultar
várias fontes[9]
e concluir que em 1995, aos 25 anos, Verônica ganhou uma bolsa de estudos para um
curso de MBA (Mestre em Administração de Negócios) na Universidade de Harvard,
nos Estados Unidos. O benfeitor da filha do então poderoso ministro do
Planejamento foi a Fundação Educar, criada por Jorge Paulo Lemann, Marcel
Telles e Beto Sicupira, à época donos do Grupo Garantia. Não podemos esquecer
que os citados benfeitores participaram ativamente do processo de privatizações
do governo ao que o pai de Verônica servia, além de estarem envolvidos nos
interesses da cervejaria Brahma, que, em 1998, em processo polêmico que
dependia do Cade, ligado à área de influência de José Serra. Lemann foi diretamente beneficiado no governo FHC, pela decisão mais
importante de sua trajetória empresarial: a aprovação, pelo Conselho
Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, da fusão entre Brahma e Antarctica,
ocorrida em 1999, que lhe deu 70% do mercado brasileiro e musculatura
monopolista para crescer em outros países. Ai se essas “coincidências”
envolvessem os filhos do Presidente Lula!!
Bem, Verônica
concluiria o curso em Harvard em 1997 e já em 1998 conseguiria seu primeiro
trabalho no mundo corporativo, na companhia de administração de recursos
chamada Leucadia. Meses depois, seria recrutada pelo fundo de investimentos
International Real Returns (IRR) para atuar como sua representante no Brasil.
Em 2000, tornar-se-ia “diretora” da “Decidir.com, Inc.”, fundada naquele ano,
uma empresa “ponto.com” norte-americana, subsidiária da matriz argentina
“Decidir”, de busca e verificação de dados cadastrais e crédito.
A empresa ganhou notoriedade no Brasil por ter tido como membros da
diretoria tanto Verônica Dantas Rodemburg, irmã do banqueiro Daniel Dantas,
dono do CVC Opportunity, como Verônica Allende Serra, filha do então ministro
da Saúde José Serra.
Resumindo: em cinco anos, Verônica
Serra, verdadeiro prodígio, pulou de um empreguinho na Editora Abril e de um
singelo curso de Direito na USP para o epicentro dos grandes negócios
corporativos. Ninguém fala nada sobre Verônica.
Esses exemplos confirmam a possibilidade de que o Poder Judiciário, o
MPF, a PF e a imprensa tradicional não tratarem com o mesmo rigor fatos que se
equivalem, dependendo dos envolvidos e isso tem de mudar.
[1]
http://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/art20150102-03.pdf
[2]
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/moro-alertou-para-os-riscos-da-industria-de-vazamentos-da-lava-jato-por-kiko-nogueira/
[3]
http://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/art20150102-03.pdf
[4]
http://odireito-oavesso.blogspot.com.br/2010/06/dois-pesos-e-duas-medidas.html
[7]
http://outraspalavras.net/brasil/pau-que-bate-em-luiz-bate-em-fernando/
[8]
http://odireito-oavesso.blogspot.com.br/2016/02/a-lista-de-furnas-e-verdadeira-afinal.html
[9]
http://www.blogdacidadania.com.br/2011/12/a-carreira-meteorica-de-veronica-serra/
Comentários
Postar um comentário