Introdução.
Antes de falar da “Lei Pelé”, ou
de um aspecto dela, é necessário que falar do futebol, pois é a ele que a lei em comento se destina, bem como as relações
juridicamente relevantes que ela busca disciplinar.
O futebol, esporte ou arte em sua origem, é capaz de sintetizar os
sentimentos de unidade, de igualdade, de disputa, tudo temperado com uma boa dose de irracionalidade – ou paixão
– e isso tudo faz dele um dos principais símbolos
nacionais. O futebol é capaz de unir todas as camadas sociais.
Mas ao longo do tempo o futebol
passou a interessar também àqueles que veem nele mais um quadrante de
acumulação do seu capital e esse fato, inegável, passou-se a impor diversas
transformações no ambiente das organizações esportivas, especialmente no que
diz respeito à equiparação dos clubes às sociedades empresários, exigindo obrigações
típicas de sociedades empresárias.
Tudo para atender os interesses e
a lógica do mercado.
As novas regras exerceram forte
influência na sua forma de gestão dos clubes, antes geridos de forma quase
amadora foram inseridos numa sociedade de mercado, passando o futebol - na minha
forma de ver - seu caráter democrático, lúdico e apaixonante, tendo de conviver
com a lógica mercantilista, tornando-se o futebol mais um negócio.
No Brasil a paixão e o lúdico presentes
nos corações dos torcedores e dirigentes passaram a conviver com uma legislação
que buscou transformar os clubes sociais em “clube-empresa”. A legislação tem
virtudes e vicissitudes.
Mas o fato é que, em pleno Século
XXI, essa lógica transformou jogadores em ativos comercializáveis (onde
estariam os ídolos?), torcedores em consumidores, o jogo de futebol num ativo
financeiro (especialmente para as TVs abertas e fechadas), e o futebol – símbolo
nacional - num grande negócio. Essa é a realidade, assim como é real o fato de
a legislação não poder ser cumprida pela maioria dos clubes do país porque
custos e obrigações foram agregados à gestão, tudo para atender os interesses
do mercado.
Lei
Pelé.
Bem, diante dessa realidade,
aliada a potencial movimentação financeira de vultosas quantias adquiriu ao
futebol (negócio), movimentação de grande importância econômica, aumentou o
interesse de governo, de investidores e torcedores por informações das
transações ocorridas neste ambiente.
Houve equiparação dos clubes sociais para clubes empresas, a partir da vigência da Lei Pelé - Lei 9.615/98,
lei que foi parcialmente alterada pela Lei 10.672/03.
É aspecto das leis 9.615/98 e 10.672/03
que pretendo comentar.
Essas leis, com alguma variação
de conteúdo, impuseram aos clubes de futebol a saudável obrigatoriedade de
elaborar e publicar, na forma definida na Lei das Sociedades Anônimas, os
demonstrativos contábeis, após terem sido auditados por auditores independentes,
trata-se de virtude da lei. Mas há clubes que não tem recursos para contratação
de auditores independentes e outros, em situação ainda pior, não tem sequer sua
contabilidade “em ordem”, eis a vicissitude.
Fato é que os clubes brasileiros,
pela primeira vez em sua história, são obrigados a publicar as suas
demonstrações contábeis e de forma padronizada, clara e abrangente, tornando-as
comparáveis[1].
A auditoria objetiva verificar se as
demonstrações contábeis representam, em seu conjunto, adequadamente a posição
patrimonial e financeira.
Mas
pensemos: a auditoria atende a quais interesses na verdade? A resposta é: atender os
interesses do mercado evidentemente,
dos investidores, do futebol, daqueles que tratam nossa paixão como ativos,
como mercadoria apenas, pois o resultado das operações, das mutações do
patrimônio líquido e os demais demonstrativos correspondentes ao período em
análise, de acordo com as normas contábeis vigentes (ATTIE, 2010) servirão de
medida para os investidores. Portanto, a realização de auditoria independente
serve a esses interesses. É a eles que a lei serve.
Um
caso concreto.
A obrigatoriedade de auditar
causa distorções e injustiças, as quais o Judiciário pode e deve corrigir ao
julgar um caso concreto. Mas não foi o que ocorreu, por exemplo, com o
Presidente de Honra da Ponte Preta Sergio Carnielli.
Me
animo a comentar esse caso concreto pois dele não participei como advogado e também
porque já ocorreu o transito em julgado.
Um
certo senhor André Luiz Carelli Nunes, a quem não conheço e a quem minha finada
avó Maria classificaria de “espirito de porco”, com base na Lei Pelé ajuizou em 2008 ação contra a Ponte Preta, meu time do coração, afirmando
que a Macaca, ao realizar as publicações de suas demonstrações
financeiras nos anos de 2007 e de 2008, não observou as diretrizes legais
prescritas pela Lei no 6.404/76 e pela Lei no 9.615/98, porque não realizadas por auditores
independentes.
Mentira! As contas foram auditorias
por auditoria independente de altíssima qualificação e reconhecimento. A
verdade é que um dos sócios da empresa de auditoria contratada era conselheiro da
PONTE e por isso, apesar de não ser o conselheiro a ter realizado e firmado os
relatórios, estaria ausente a independência
exigida pela lei para a auditoria, alegou ainda o autor da ação que teria o
citado conselheiro participação direta na gestão do clube.
Por isso o autor requereu:
(i)
o
afastamento do Presidente da Diretoria Executiva, Sérgio Carnielli, nos termos
do artigo 46-A, § 2º, inciso I c/c o artigo 46-A, § 3º, inciso I, ambos da Lei
no 9.615/98;
(ii)
a
declaração de nulidade de todos os atos praticados por ele a partir da data de
publicação do parecer do auditor não-independente no Diário Oficial do
Município de Campinas (28 de abril de 2007), nos termos do artigo 46-A, § 2º,
inciso II c/c o artigo 46-A, § 3º, inciso I, ambos da Lei no 9.615/98; e
(iii)
a declaração de inelegibilidade de Sérgio
Carnielli pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do artigo 46-A, § 1º,
inciso II, da Lei no 9.615/98.
Após regular instrução processual
o pedido do citado espirito de porco
foi julgado parcialmente procedente
para acolher os pedidos “i” e “iii”.
Ou seja, o Judiciário determinou
o afastamento do Presidente da Diretoria Executiva, Sérgio Carnielli, nos
termos do artigo 46-A, § 2º, inciso I c/c o artigo 46-A, § 3º, inciso I, ambos
da Lei no 9.615/98 e declarou a inelegibilidade do nosso
Presidente de Honra pelo período de cinco anos, a contar do trânsito em julgado
desta decisão, nos termos do artigo 46-A, § 1º, inciso II, da Lei no 9.615/98.
É
importante observar que a r. sentença
não declarou a nulidade da auditoria ou
de qualquer ato do dirigente porque não se apurou nos autos a presença de
fraude ou manipulação das contas auditadas.
Ora,
penso que se ausente dos autos elementos que determinassem a declaração de
nulidade dos atos do dirigente e nulidade da auditoria, data vênia, foi injusta
a punição imposta ao dirigente, o MM. Juiz fechou os olhos ao objetivo da lei (dar
transparência às contas).
Ademais,
a PONTE PRETA cumpriu o disposto no artigo 46-A da lei, afinal elaborou e fez publicar, no prazo, suas
demonstrações financeiras na forma definida pela Lei no 6.404, de 15 de dezembro de
1976, após terem sido auditadas.
Sequer alegou o autor da ação fraude à legislação tributária,
trabalhista, previdenciária, cambial, nem apontou as consequentes responsabilidades
civil e penal, não alegou, o Juiz não declarou porque inexistente má-fé ou
fraude contábil, fiscal, a direitos trabalhistas ou providenciaria.
O ato atacado (auditoria) foi tacitamente convalidado
pela r. sentença, por isso as penalidades impostas ao Presidente de Honra
Sergio Carnielli foram excessivas e desnecessárias.
Penso que o afastamento do dirigente nesse caso só
seria legal se estivéssemos diante de declaração de nulidade do ato atacado
pelo autor e praticado pelo dirigente em nome da entidade, o que não é o caso.
Se não houve nulidade, se ausente qualquer
declaração de nulidade, se não se comprovou infração, fraude ou má-fé do dirigente,
e tendo sido, na pratica, convalidado o ato atacado, não me parece lógico afastamento
ou qualquer penalidade imposta ao dirigente, pois atos irregulares que não
sejam nulos, nem tenham sido declarados judicialmente anulados podem e devem ser
convalidados ou re-ratificados.
Uma injustiça praticada e transitada em julgado.
[1]
Por
isso o Conselho Federal de Contabilidade emitiu a NBCT 10.13, aprovada pela
Resolução nº. 1.005/2004, dispondo quais os procedimentos contábeis a serem
adotados pelos clubes. Recentemente, a NBCT em questão foi substituída pela ITG
2003 que, de forma similar, tratou disso tais aspectos.
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