Milhões de brasileiros viveram ontem uma experiência democrática
restrita. Seu voto elegeu governadores, deputados, senadores e levou ao segundo
turno os postulantes ao cargo de principal governante do país e diferenças
reais, entre os candidatos, tornaram a eleição muito relevante. Mas só os muito
ingênuos engolem o velho slogan que viveremos a “festa da democracia”, estamos
longe disso.
Alguns fatos importantes ocorreram como a vitória do PCdoB no Maranhão
que impôs derrota acachapante ao candidato do clã Sarney e a vitoria do PT na
Bahia em 1º. turno, fato eu desmoralizou os institutos de pesquisa que
indicavam que o petista não teria mais que 20% dos votos.
Mas sou pontepretano, campineiro e paulista e vou comentar o resultado
das eleições no meu estado. O PT em São Paulo, a esquerda em geral (PCdoB,
inclusive) colheu uma derrota constrangedora no estado.
O PT e o PCdoB no estado de São Paulo não foram
exatamente “varridos do mapa” nessas
eleições, mas a votação expressiva de Aécio Neves no estado, quase 11 milhões
de votos, contra pouco mais de 5 milhões de votos dados à presidente Dilma, a
diminuição significativa da bancada petista na Câmara dos Deputados, a perda de
uma cadeira no Senado, perda de cadeiras na Assembleia Legislativa e o
desempenho sofrível de seu candidato ao governo representam, no meu ponto de vista, que a mesma classe média que sempre
apoiou o PT não o vê como seu representante, mas por quê?
É verdade que a mídia bandeirante é implacavelmente
contraria ao PT, amplamente favorável a Aécio e aos diversos candidatos de oposição, esse
é um elemento importante, mas não é a causa principal.
A OPÇÃO DA CLASSE MÉDIA.
Penso que e elemento de reflexão é a opção da
classe média pelos candidatos e partidos de direita. E isso ocorre menos pelos
erros do PT e mais pela sua opção em atender através de políticas sociais as
classes “c” e “d”.
Teria sido a classe média paulista cooptada pelos
setores mais conservadores com seu discurso sedutor? É possível, e não teria
sido a primeira vez. Foi assim no tempo de Getulio, Juscelino e João Goulart.
Quando ouvi a Marilena Chauí dizer que a classe média é
fascista, violenta e ignorante, tive a reação que provavelmente todos tiveram
fiquei perplexo e rejeitei a tese, afinal não dá para pensar em um país menos
desigual sem uma classe média forte e o aumento da classe média tem sido visto
como sinal de desenvolvimento do país, de redução das desigualdades, de
equilíbrio da pirâmide social, ou mais, de uma positiva mobilidade social, em
que muitos têm ascendido na vida a partir da base. A classe média seria como
que um ponto de convergência conveniente para uma sociedade mais igualitária.
Para a esquerda, sobretudo, ela indicaria uma espécie de relação
capital-trabalho com menos exploração.
Mas a classe-média
paulista não votou no PT, porque revelou-se reacionária e
fundamentalmente meritocrática e, como sabemos, a meritocracia está na base de
sua ideologia conservadora e se opõe à democracia em vários aspectos
estruturantes dessa.
Assim, boa parte da classe média é contra
as cotas nas universidades, pois a etnia ou a condição social não são critérios
de mérito; é contra o bolsa-família, pois ganhar dinheiro sem trabalhar além de
um demérito desestimula o esforço produtivo; quer mais prisões e penas mais
duras porque meritocracia também significa o contrário, pagar caro pela falta
de mérito; reclama do pagamento de impostos porque o dinheiro ganho com o próprio
suor não pode ser apropriado por um Governo que não produz muito menos ser
distribuído em serviços para quem não é produtivo e não gera impostos. É contra
os políticos porque em uma sociedade racional, a técnica, e não a política
deveria ser a base de todas as decisões: então, deveríamos ter bons gestores e
não políticos. Tudo uma questão de mérito. Triste
isso, mas real no nosso estado...
Mas por que a classe média seria mais
meritocrática que as outras? Isso tem a ver com a história das políticas públicas
no Brasil. No Brasil nunca existiu um verdadeiro Estado do Bem Estar Social
como o europeu, que forjou uma classe média a partir de políticas de garantias
públicas.
O nosso Estado no máximo oferecia
oportunidades, vagas em universidades públicas no curso de medicina, por
exemplo, mas o estudante tinha que enfrentar 90 candidatos por vaga para
ingressar. O mesmo vale para a classe média empresarial, para os profissionais
liberais, etc. Para estes, a burocracia do Estado foi sempre um empecilho,
nunca uma aliada. Mesmo a classe média estatal atual, formada por funcionários
públicos, é geralmente concursada, portanto, atingiu sua posição de forma
meritocrática. Então, a classe média brasileira se constituiu por mérito
próprio, e como não tem patrimônio ou grandes empresas para deixar de herança
para que seus filhos vivam de renda ou de lucro, deixa para eles o estudo e uma
boa formação profissional, para que possam fazer carreira também por méritos
próprios. Acho que isto forjou o ethos meritocrático da nossa classe média,
ethos que se opõe às políticas sociais desenvolvidas pelo PT e seus aliados.
Esse conflito seria mitigado com mais democracia, mais debate.
A
BUROCRACIA PARTIDÁRIA.
Some-se a
isso tudo o fato de que, apesar de a Presidente
Dilma ter liderado e vencido no 1º. turno a corrida presidencial, setores do
próprio PT foram seus maiores adversários e podem, lamentavelmente, levar a
presidente à derrota.
A quais setores eu me refiro?
Aos que, diferentemente da presidente e de Lula, passaram a crer que o
país não existia antes deles, aqueles que se tornaram desprezíveis burocratas e
distanciaram-se das ações socialmente validades e sustentáveis. Falo da burocracia partidária, a qual assemelha-se às castas, pelo fato de encontrar-se
sempre pronta a cerrar os olhos perante os mais grosseiros erros dos seus
chefes em política geral se, em contrapartida, estes lhe forem absolutamente
fiéis na defesa dos seus privilégios.
Será
possível fazermos um paralelo entre a derrota do PT no estado de São Paulo
nesse 05 de outubro de 2014 e o que ocorreu na França do século XVIII (quando a
pós-revolução burguesa foi derrotada pela aristocracia com apoio da burguesia)?
Penso que
sim.
Reli recentemente o “18 Brumário de Luiz Bonaparte”
elaborado por Marx. O “18”, vou chama-lo assim, procura compreender por que do fracasso da revolução na França e as
razões do golpe de Estado de Luiz Bonaparte.
Contextualizando: Karl Marx escreveu a obra o “18
BRUMÁRIO DE LUIZ BONAPARTE” entre 1851 e 1895. Brumário é o segundo mês do calendário republicano, na França (23 de outubro a
21 de novembro).
Nas quatro primeiras partes do “18” Marx faz um
resumo do “Luta de Classes na França” e segue tratando dos fatos que ocorreram
e culminaram com o Golpe de Estado de Luiz Bonaparte. Ele procurou analisar e
explicar porque a revolução pós-burguesa, que se instalou depois da revolução
burguesa de 1789, fracassou.
Esse é o fato histórico que vou usar para comparar
com a derrota do PT no estado de São Paulo nas eleições desse 05 de outubro.
Bem, a revolução
pós-burguesa fracassou porque a burguesia francesa do século XVIII impediu sua
evolução e continuidade, em razão do viés social e popular que a revolução de
1789 tomou. E como a burguesia fez isso? Renunciando ao poder político, mas mantendo
intacto o poder econômico sob seu controle absoluto.
Nasceu o bonapartismo
e foi apresentada à História uma face pragmática da burguesia, seu desejo de
poder através do controle da economia, sua face de classe, sua natureza não
democrática e seu posicionamento enquanto classe. A revolução foi domesticada e
depois disso ocorreu o golpe de Estado de Napoleão, é o 1º. Brumário. Teria
sido a militância petista domesticada pelos 12 anos no poder?
O 5 de
Outubro de 2014 revelou que a esquerda tem de refazer suas alianças com a
classe média, com os micro e pequenos empresários, pois os setores
conservadores no estado de São Paulo cooptaram e cooptam a classe média de
diversas formas e ela, classe-média, que deveria ser aliada das classes sociais
mais humildes acaba seduzida pela cantilena liberal e sonha ser elite, esse
sonho faz com que ela rejeite todos que possam geram turbulência àqueles que a
seduziram e que prometeram que nela [a classe média] será elite um dia.
O sonho da revolução pós-burguesa e o sonho de uma
sociedade de iguais foi varrido por Bonaparte com ajuda da burguesia e ocorreu
o retorno dos aristocratas e a ascensão da aristocracia burguesa. Esse 05 de
Outubro seria o 18 Brumário do PT? Ainda não, mas se nada for feito ocorrerá
exatamente isso.
A direção partidária, a militância e os
simpatizantes terão três semanas para responder essas questões com ações
políticas criativas, generosas e propositivas, ações que levem Dilma à vitória.
FINALIZANDO
Quanto a mim mantenho-me
onde sempre estive, nas fileiras dos setores progressistas, dos trabalhadores,
do micro, pequeno e médio empresário, confiante e com a certeza de que o Brasil
pode e deve seguir avançando nas mudanças iniciadas em 2003, mas não tenho
duvida alguma que o PT enfrentará no dia 26 de outubro a eleição mais dura de
sua história e, independentemente do resultado é necessária uma reflexão
honesta acerca da tática, das ações no governo e, em qualquer hipótese buscar a
reconciliação com antigos companheiros que buscaram acolhida no PSB, PSOL, PV,
afinal todos tem muito a dizer, aprender e ensinar.
Comentários
Postar um comentário