O
Procurador-geral da República ao comentar as declarações do ex-presidente Lula
teria afirmado que por vivermos vivemos num país democrático, em que o direito
de manifestação deve ser assegurado, todo mundo tem direito de criticar,
sendo político ou não, mas o chefe da PGR teria dito que a AP 470 "está
encerrada, com o julgamento claro, objetivo, transparente, respeitado
o contraditório e o amplo direito de defesa".
Com a devida
licença, não Janot, a AP 470 não está encerrada, pois o tempo é aliado da
verdade e a versão, prima-irmã da mentira haverão de se derrotadas, seja na
Revisão Criminal ou através de recursos às cortes internacionais.
1.
Sobre a
revisão criminal.
Marco Aurélio de Mello, um dos nossos ministros midiáticos, vê como
pequena a possibilidade de ainda haver mudança na decisão da Corte sobre a Ação
Penal 470. Foi o que ele teria dito, quando questionado sobre a "revisão
criminal" pelo portal UOL.
Apesar da reprovável manifestação do ministro sobre processo em curso
temos que a revisão é possível sim, pois o legislador listou, no artigo 621 do
Código de Processo Penal, os casos em que é possível recorrer ao intento
revisional. Vejamos então: "Art. 621 - A revisão dos processos findos será
admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da
lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se
fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando,
após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de
circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.".
Não conheço a AP 470 à profundidade, mas creio que apesar da intenção
inicial do legislador fosse a de prover um rol taxativo para as hipóteses de
cabimento da revisio, há espaço para
uma significativa revisão.
Por quê? Porque o Ministro Joaquim Barbosa teria omitido provas de seu
relatório, fato que pode ter levado o colegiado a erro.
Quais provas? Bem, antes falemos, em caráter introdutório, do conhecido
e comentado "Caso Dreyfus", que diz respeito a um erro no julgamento
que levou à condenação do Capitão Dreyfus, oficial do Exército Francês. Sua
condenação foi contestada um ano depois do julgamento quando um oficial da área
de informações resolveu fazer um novo exame das provas e descobriu que nada
havia para incriminar aquele jovem capitão do Exército francês. Estava claro
que o verdadeiro espião que todos procuravam era outra pessoa.
Mas isso não adiantou muito. Para evitar uma revisão, começaram a surgir
novas provas – fraudadas – para incriminá-lo, o que atrasou o processo por mais
tempo. Condenado em 1895, Dreyfus seria liberado, por graça presidencial, pois
os tribunais jamais declararam sua inocência, em setembro de 1899. Um ano
antes, o oficial que havia forjado documentos para proteger os superiores foi
desmascarado e cometeu suicídio.
Podemos estar às portas de conhecermos um "caso Dreyfus" aqui
no Brasil, pois apedido do réu Henrique Pizzolatto e com base na Súmula
Vinculante 14 do STF (a qual autoriza dar-se aos acusados acesso aos autos para
que se defendam amplamente) o Ministro Ricardo Lewandowski, no exercício da
Presidência do Supremo, mantendo o caráter de "segredo de Justiça",
deu acesso a oito réus ao Inquérito 2474, desdobramento do Inquérito 2245, que
se tornou a Ação 470, apelidada de mensalão. Isso acontece somente agora, quase
sete anos após segredo ter sido decretado por Joaquim Barbosa. O Supremo
Tribunal Federal liberou para consulta o Inquérito 2474 da Polícia Federal.
Não é demais lembrar que as apurações deste inquérito foram solenemente
ignoradas durante o julgamento do "mensalão" e sequer constaram do
relatório de Joaquim Barbosa, estaria o conteúdo desse inquérito a trazer as
hipóteses dos incisos I e III do artigo 621 do CPP?
Penso que sim. Por quê? Em razão da relevância do conteúdo e conclusões
do tal inquérito.
Dizem que o Inquérito 2474 foi uma investigação complementar, feita a
pedido do Ministério Público, para mapear as fontes de financiamento do
"valerioduto" na época das denúncias sobre o chamado
"mensalão". E suas conclusões foram de que (a) o esquema envolvia o
financiamento ilegal de campanha e lobbies privados; (b) começou em 1999, ainda
no governo Fernando Henrique Cardoso; (c) terminou em 2005, na administração
Lula, após ser denunciado pelo deputado Roberto Jefferson.
Essas e outras informações teriam sido omitidas e sonegadas pelo
Ministro Relator da AP 470. Penso que os Ministros do STF e a opinião pública
tinham direito às informações do IP 2474 antes do julgamento. Por que Joaquim
Barbosa as omitiu? Essa omissão caracteriza crime de responsabilidade do
Ministro? Ou uma espécie de fraude processual?
Bem, o fato é que no inquérito o delegado teria indicado que (i) nunca
houve 'mensalão' (o pagamento mensal a parlamentares), mas sim uma (ii)
estratégia criminosa de formação de caixa 2 que começou com FHC e avançou ao
governo Lula, mas que (ii) não envolveu dinheiro público (mas o alcançaria de
forma voraz caso não tivesse sido interrompida pela eclosão do escândalo).
E pasmem: o relatório, assinado pelo delegado Luís Flávio Zampronha, foi
encaminhado à Justiça em meados de 2007 e ignorado pelo relator ministro
Joaquim Barbosa... Por quê? Que interesses o ministro defende realmente? O
inquérito estava sob segredo de Justiça por determinação do hoje presidente do
Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
O inquérito apontaria ainda a participação do banqueiro Daniel Dantas no
esquema. "Pelos elementos de prova reunidos no presente inquérito,
contata-se que Marcos Valério atuava como interlocutor do Grupo Opportunity
junto a representantes do Partido dos Trabalhadores, sendo possível concluir
que os contratos (de publicidade) realmente foram firmados a título de
remuneração pela intermediação de interesse junto a instâncias
governamentais".
Repita-se: as apurações deste inquérito foram solenemente ignoradas
durante o julgamento do "mensalão" pelo seu relator. Por quê?
O Supremo tem a oportunidade de pôr a limpo estes esquemas e de revelar
por completo a influência de Dantas nos governos FHC e Lula, na mídia e no
Judiciário, desde que tenha uma atuação acima dos interesses partidários e seja
menos midiático, para o bem do País. O relatório do delegado Zampronha é um bom
começo para reencontrar-se com a verdade e com a Justiça.
Teria
o Ministro Joaquim Barbosa sido autor de um caso de fraude jurídica histórica?
A interesse de quem? Estamos diante de um "caso Dreyfus"? O tempo e a
História revelam todas as fraudes (ou talvez a revisão criminal).
2.
Sobre o Pacto
de San José da Costa Rica.
E mais, o Brasil é um dos signatários do Pacto
de San José da Costa Rica, que trata das garantias dos direitos humanos e
judiciais. Mas o que é exatamente esse
“pacto”?
É um “tratado internacional” do qual o Brasil é signatário. Nele os
Estados Americanos signatários da Convenção de Direitos Humanos de 1969,
reafirmaram seu propósito de consolidar no nosso continente, dentro do quadro
das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça
social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais; reconhecendo que
os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional
de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da
pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza
convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos
Estados americano; considerando que esses princípios foram consagrados na Carta
da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e que foram reafirmados
e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de âmbito mundial
como regional; reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do
temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar
dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos
civis e políticos; e, por fim considerando que a Terceira Conferência
Interamericana Extraordinária (Buenos Aires, 1967) aprovou a incorporação à
própria Carta da Organização de normas mais amplas sobre os direitos
econômicos, sociais e educacionais e resolveu que uma Convenção Interamericana
sobre Direitos Humanos determinasse a estrutura, competência e processo dos
órgãos encarregados dessa matéria, estabeleceram regras que devem ser
observadas em cada um dos países signatários.
Mas um tratado internacional tem de fato influência no nosso ordenamento
jurídico? Sim, para que um tratado internacional assinado pelo Brasil tenha
validade no nosso ordenamento jurídico, faz-se necessário que tal tratado passe
por um “processo de incorporação” ao ordenamento, que é composto de duas fases
distintas: (i) a aprovação do tratado pelo Congresso Nacional e (ii) a
ratificação e promulgação do tratado pelo Presidente da República. No caso do
Pacto de San Jose da Costa Rica ocorreram os dois fatos ou condições. No caso
do Brasil a Convenção foi firmada na Conferência Especializada Interamericana
sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22.11.1969 e ratificada
pelo Brasil em 25.09.1992, durante o mandato do 1º. Presidente Civil eleito
diretamente após o golpe e o período de ditadura militar.
Entre as garantias previstas nesse pacto incorporado ao nosso
ordenamento jurídico em 1992, está o direito de o réu ser julgado por pelo
menos duas instâncias, o chamado duplo grau de jurisdição.
Recentemente o STF cometeu um erro histórico e decidiu julgar na AP 470
réus sem foro privilegiado, o que na pratica retirou – abusivamente - deles o
direito constitucional (e previsto no tratado internacional sob comentário) o
direito a recurso em outro tribunal, ou seja, houve grave violação da corte à
nossa constituição e ao pacto. Esse erro torna nula a decisão do STF, nula em
relação àqueles réus sem foro privilegiado. E esses réus podem buscar anular a
decisão na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Prova inequívoca do erro do STF em julgar originariamente réus sem foro
privilegiado é que a nova composição do colegiado da corte reconhecendo que a
Constituição Federal contempla o instituto do “foro privilegiado”
(artigo 102, letras b e c, da CF) remeteu à 1ª. Instância outra AP – Ação
Penal, também envolvendo vários réus.
A decisão do STF em remeter o
processo à 1ª. Instância é correta e justa, a decisão anterior é que deu
caráter de exceção que o julgamento da AP 470. E os ministros que decidiram
descumprir a constituição e um tratado internacional serão julgados pela história
e terão em suas biografias pelo menos essa mancha indelével, mancha de vergonha
e tirania.
Por quê? Porque em seu artigo 8º, a Convenção estabelece os princípios
das garantias mínimas a qualquer cidadão, como a presunção da inocência e o “direito
de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior” essas duas garantias
não foram respeitadas pelo STF na AP 470. Esperemos que o Direito seja cumprido
e vença a vergonha e a tirania da decisão anterior do STF.
O filme MATRIX nos apresenta o livro “Simulacro e simulações” de Jean Baudrillard logo no inicio do filme. O protagonista
toma em suas mãos o livro, o qual usa para ocultar uma sua atividade que é
ilegal (além de um respeitável programador numa importante empresa ele é um hacker de computador,
que penetra em sistemas de computador ilegalmente e rouba informações), o livro
naquele instante do filme não é um livro... Bem, as categorias filosóficas nele
tratadas (simulação e simulacro) o orientam e dão à obra irmãos Wachowsch
dimensão especial.
Na obra “Simulacro e simulações” ele afirma que a realidade deixou de existir, passamos a viver a
representação da realidade, difundida, na sociedade pós-moderna, pela mídia. Baudrillard defende a teoria de que vivemos em
uma era cujos símbolos têm mais peso e mais força do que a própria realidade.
Desse fenômeno surgem os "simulacros", simulações malfeitas do real
que, contraditoriamente, são mais atraentes ao espectador do que o próprio
objeto reproduzido.
Faço essa introdução para afirmar, mais uma vez,
que a AP 470 é processual mente nula e filosoficamente não passa de um
simulacro. Por quê? Porque há uma simulação de um processo penal, uma mal
engendrada imitação do processo (algo existente no mundo real), mas no caso
estamos diante de simulacro e não de um processo real. O processo busca,
mesmo idealmente, dizer o Direito e realizar Justiça e não atender às demandas
da mídia ou de seus financiadores.
É possível afirmar tratar-se de um simulacro,
porque a condenação dos réus deu-se a priori. O ex-ministro José Dirceu
em especial estava condenado antes mesmo da denuncia do Ministério
Público, antes da apresentação das defesas, antes recursos e da decisão final
(notem que não falo em inocência ou culpa dos réus – esse é outro debate - mas
em condenação a priori).
Assim ocorreu porque o STF pressionado por setores
da mídia “teve de dar um jeito” de condenar os réus, com ou sem provas, caso
contrário seria achincalhado por parcela significativa da imprensa.
Eu não estou sozinho nessa opinião. A Professora da
USP Ada Pellegrinni, dentre muitos outros
juristas, afirmou que a mídia sempre pré-julga.
E no caso do mensalão pré-julgou, pois a pessoa que corresponde às expectativas
da mídia passa a ser o herói nacional e quem não corresponde passa a ser o
vilão. Esse é um problema muito sério, que se vê, sobretudo, em
casos criminais. O mensalão é um caso criminal, e a pressão da mídia - que
forma a opinião pública – nunca foi no sentido de “apurar os fatos”, mas
sempre de “condenar os corruptos”, eis ai o condenação a priori.
Esse seria um exemplo contemporâneo a confirmar a
teoria de Jean Baudrillard?
Penso que sim, pois a sua teoria afirma que vivemos
em uma era onde símbolos têm mais peso e mais força do que a própria realidade,
o que se confirma na AP 470 na medida em que o Relator teve de importar
uma teoria e aplicá-la (e o fez de forma de forma equivocada segundo Claus
Roxin) para condenar um dos réus, tudo para atender o que passou a ser
importante, que seriam os símbolos e não a realidade.
O fato é que a AP 470 simulacro, pois apresentou
ao país uma verdade inexistente e o simulacro nunca é aquilo que esconde a verdade, é a
verdade que ele esconde que não existe. Temos
apenas que refletir sobre a verdade que a AP 470 esconde... Verdade e
realidades inexistentes.
Por
isso, caro Janot, a AP 470
não está encerrada.
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