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MONSTROS, PALHAÇOS OU CRIMINOSOS?


Monstros, palhaços ou criminosos? Como devemos me referir aos deputados federais que votaram pela absolvição do Deputado-presidiário Donadon? Referência necessária àqueles que se ausentaram do plenário. Qual o melhor e mais preciso tratamento?

Bem, nos últimos 50 anos, a democracia e o Estado brasileiros passaram por grandes mudanças.  Comparando-se a realidade do início dos anos 1960 – antes do início do regime autoritário, em 1964 com a atual, notam-se mudanças quantitativas e qualitativas significativas naquelas dimensões.

foto de um deputado que votou pela absolvição de Donadon

Em que pesem os inúmeros obstáculos à sua plena consolidação, a democracia brasileira vem sendo ampliada, inclusive com a criação de novos canais de participação popular, e as suas instituições tornaram-se mais estáveis. No que diz respeito ao Estado brasileiro, não obstante a crise fiscal e as conseqüentes reformas dos anos 1990, tanto as suas funções como o seu quadro de pessoal foram ampliados e descentralizados, especialmente no campo das políticas sociais. Dentre os novos desafios colocados na agenda do Estado, destacam-se a democratização e a eficiência da justiça, e a questão crítica da segurança pública, mas esses temas ficam para outro momento.

No que diz respeito aos aspectos eleitorais da democracia brasileira, por um lado é verdade que o direito ao voto foi estendido à parcela bem maior da população, especialmente por meio da inclusão dos analfabetos, elevando o eleitorado da média de 24% no período 1945-1962 para 64,4% no período 1990-2006, mas curiosamente parcela significativa dos eleitores ainda abre mão de escolher um candidato ou partido – o percentual de eleitores que não votaram ou votaram nulo ou em branco foi de 30,7% no primeiro daqueles períodos e de 38,1% no segundo. Do lado da oferta de alternativas políticas, houve grande proliferação de siglas partidárias e, por conseguinte, da competitividade eleitoral, mesmo sem ter havido alterações significativas nas regras eleitorais. Levando-se em conta o tamanho relativo das bancadas, o número efetivo de partidos na Câmara dos Deputados quase dobrou – a média de 4,5 entre 1950 e 1962 passou para 8,3 entre 1994 e 2006.

Assim como no começo da década de 1960, a fragmentação partidária no Congresso é hoje motivo de preocupação em relação à capacidade do sistema político de produzir políticas públicas relevantes. É bem verdade que, diferente de hoje, naqueles anos, além da fragmentação, observou-se polarização ideológica que dificultou a formação de maiorias legislativas em torno de agendas reformistas. O caso mais notável foi o das reformas de base, durante a presidência João Goulart, que enfrentou forte resistência da oposição conservadora no Congresso. A radicalização de ambas as partes levou à situação de paralisia decisória, o que contribuiu decisivamente para o golpe militar. Por isso nos tempos de protestos sem bandeira e radicalização de todos os lados penso que a reflexão sobre o tempo, a História e os efeitos das palavras e dos atos é fundamental, tão fundamental quanto as manifestações legitimas e reflexivas. Contudo essas se contrapõem às manifestações artificial e dissimuladamente fomentadas por uma mídia reacionária, que por sua vez é financiada por interesses que se distanciam de um projeto de desenvolvimento social e econômico sustentável.

Feitas essas reflexões volto ao ponto: a absolvição do deputado-presidiário. Seriam os deputados que possibilitaram a sua absolvição monstros ou palhaços?


A personalidade desses senhores é um dos pontos mais controvertidos a serem enfrentados, mas são criminosos, um tipo novo de criminoso, aquele que Hannah Arendt chamava de um hosti humani generis (inimigo do gênero humano), participantes de um novo tipo de crime: assassinato da ética e da esperança de 200 milhões de brasileiros. Seria legítimo, então, perguntar-nos sobre que papel devemos desempenhar nesses tempos sombrios ou como poderíamos ajudar a compreender e a superar os desafios que se impõem. Hannah Arendt ao analisar os horrores do século XX, afirmou que os tempos sombrios não são novos e não constituem uma raridade na história. No entanto segundo a filósofa, [...] mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação, e que tal iluminação pode bem provir, menos das teorias e conceitos, e mais da luz incerta, bruxuleante e freqüentemente fraca que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo que lhes foi dado na terra.”

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