Eu
considero que a AP 470 é um todo viciado. Foi um julgamento de exceção e um julgamento
político.
Mas
por quê?
1.
Da
casuística negativa de remessa dos autos à Primeira Instância.
Bem,
por várias razões, a começar pelo fato de o STF haver negado a remessa dos
autos à primeira instância, em relação aos réus que não tinham foro
privilegiado. Só esse fato vicia o devido processo legal e a ampla defesa e
afetou à morte a necessidade de aplicar-se o duplo grau de jurisdição. O
Supremo julgou todos os denunciados como se estivessem incursos no único
dispositivo que permite isso — o artigo 101 da Constituição[1]
o que não é verdade.
Na
verdade, a regra dos dois graus de
jurisdição é universal, por assim dizer. Os ministros do Supremo passaram
por cima dessa regra, eles não quiseram nem saber sua importância. Isso é um
absurdo em minha opinião. Esse é o primeiro ponto.
O
segundo ponto é que os ministros do Supremo adotaram um princípio que, a meu
ver, é incabível. O princípio de que as pessoas são culpadas até que se prove o
contrário. A regra é outra: as pessoas são inocentes até que se prove o
contrário.
No caso de José Dirceu, a PGR
partiu da tese que o Dirceu era culpado, porque ele era hierarquicamente
superior às outras pessoas. E que isso bastaria para configurar a
responsabilidade dele. Portanto, uma responsabilidade objetiva. Isso é outro
absurdo. Isso cria uma inseguridade jurídica enorme. Esse julgamento contrariou
a tradição jurídica ocidental, talvez “até universal”, mas, “com certeza, a tradição jurídica ocidental”,
como disse o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello. E o caso paradigmático
disso é justamente o do José Dirceu. Esse julgamento foi levado a
circunstâncias anômalas. Tanto que o ministro Luís Roberto Barroso, antes de
ser empossado no Supremo, disse que aquela decisão era um ponto que ele
considerava fora da curva. O que ele quis dizer com isso? Que alguma coisa
estava fora da linha de julgamento do Supremo.
Houve casuísmo.
O fato é que parte da mídia, a serviço de seus interesses e de seus
patrocinadores, sempre pré-julga. E no caso do mensalão, pré-julgou. A
pessoa que corresponde às expectativas da mídia passa a ser o herói nacional e
quem não corresponde passa a ser o vilão. Esse é um problema muito sério,
que se vê, sobretudo, em casos criminais. O mensalão é um caso criminal,
de pressão da mídia que forma a opinião pública. Não é a pressão da opinião
pública, porque a opinião pública é manejada pela mídia. Eu não estou querendo
defender a posição do relator ou do revisor, porque eu não conheço o
processo. Mas nos casos criminais do Brasil, o que é proibido em outros
países, a mídia condena sem processo e dificilmente absolve. As interceptações
telefônicas, por exemplo, devem correr em segredo de Justiça, mas sai tudo no
jornal! Isso é crime. Mas quem é que forneceu a informação? Quem tem interesse
em fornecer a informação? Ninguém nunca foi atrás, como afirmou a Jurista Ada Pellegrinni[2],
professora da Faculdade de Direito da USP.
2. Fatos antecedentes
e da ausência de provas.
Mas
vamos lembrar-nos de fatos antecedentes relevantes.
2.1. A mudança casuísta da Jurisprudência possibilitou
a cassação.
Desde o oferecimento da denúncia, é evidente que houve pressão
externa sobre o Supremo para que esse julgamento tivesse o caráter politico e
de exceção, tanto que partiu-se da "verdade" que Zé Dirceu era
culpado. O então Deputado Federal Zé Dirceu foi cassado pela Câmara dos deputados
por quebra de decoro
parlamentar, em razão de supostos atos praticados enquanto estava
licenciado. Até então a jurisprudência afirmava que deputado licenciado
não poderia ter seus atos apurados, enquanto licenciado, mas não podemos
esquecer que a cassação só foi possível porque o Supremo alterou a
jurisprudência (por 7 x 4).
Alterou-se
a jurisprudência especialmente para cassar Zé Dirceu?
2.2.Do não arquivamento da denuncia do PTB na Comissão
de Ética da Câmara dos Deputados.
Outro
fato inédito: toda vez que um partido denunciante retirava denúncia junto à
Comissão de Ética a comissão arquivava o processo, o PTB retirou a representação
contra Zé Dirceu mas, pela primeira vez, não ocorreu o arquivamento. Por quê?
2.3.Da ausência de provas
Não
foram apresentadas provas pela PGR, o então Procurador Geral da República afirmou,
em relação ao Zé Dirceu, que “as provas são tênues”.
Mas
para condenar Zé Dirceu (essa era tarefa do isento colegiado do STF?) foi
adaptada a “Teoria do Domínio do Fato” e o julgamento foi deliberadamente
marcado no período eleitoral, um absurdo. Por
quê? Apenas para condenar os réus do mensalão e Zé Dirceu?
Quem afirma que a aplicação da “Teoria do Domínio do Fato”
deu-se erroneamente é o jurista alemão Claus Roxin.
Claus Roxin é estudioso da teoria do domínio fato e foi usada casuisticamente pelos ministros
do Supremo Tribunal Federal para condenar boa parte dos réus da Ação Penal 470.
O jurista alemão Claus Roxin, em entrevista à FOLHA, discordou da interpretação
e aplicação dada a ela.
Não é demais lembrar que Roxin aprimorou a teoria, corrige
a noção de que só o cargo serve para indicar a autoria do crime e condena
julgamento sob publicidade opressiva, como está acontecendo no Brasil. "Quem ocupa posição de
comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado",
diz Roxin.
Penso que alguns aspectos da decisão do STF
em relação a AP 470, como a injustificada e equivocada aplicação da “Teoria do
Domínio do Fato”, nos colocam num estado de unsicherheit e de
profunda tristeza.
E não podemos esquecer da tragédia pessoal que isso causa a inocentes.
I -
processar e julgar originariamente:
a) o
Presidente da República nos crimes comuns;
b) os seus
próprios Ministros e o Procurador-Geral da República nos crimes comuns;
c) os
Ministros de Estado, os Juízes dos Tribunais Superiores Federais, os
Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Chefes de Missão
Diplomática em caráter permanente, assim nos crimes comuns como nos de
responsabilidade, ressalvado, quanto aos Ministros de Estado, o disposto no
final do art. 92;
[2] Entrevista ao CONJUR (www.conjur.com.br)
Comentários
Postar um comentário