"A serenidade é uma disposição de espírito que somente resplandece
na presença do outro: o sereno é o homem de que o outro necessita para vencer o
mal dentro de si." (Norberto Bobbio)
Estou exausto das certezas vazias relacionadas à vinda dos médicos
estrangeiros ao Brasil e às criticas aos votos divergentes do Ministro Ricardo Lewandowski.
Na minha maneira de ver o que se verifica na imprensa e nas redes sociais é
intolerância e renuncia ao direito/dever à reflexão.
A histeria que se verifica nas redes sociais em torno da vinda dos
médicos cubanos ao Brasil é algo vergonhoso. Representa, na minha perspectiva, verdadeira
renuncia ao dever que temos de refletir sobre os fatos e sobre os movimentos
próprios da contemporaneidade. Certo governo decidiu transferir o capital
público para a iniciativa privada a partir de sua opção pelo modelo liberal e,
salvo na academia e em setores da esquerda, não houve qualquer indignação.
E não são apenas médicos cubanos, pois o
Ministério da Saúde conseguiu atrair médicos de Portugal, Espanha, Argentina,
Uruguai, pois a questão é de saúde pública. Sim, a questão é de saúde
pública e sob esse ponto de vista é que deve ser observada e criticada. Temos um
quadro conhecido no país, onde faltam médicos em milhares de cidades
brasileiras e recentemente a TV Globo mostrou numa reportagem que nenhum doutor
formado no país tem interesse em trabalhar na periferia de São Paulo, apesar do bom salário e da estrutura
adequada da unidade de saúde, imaginem no interior das regiões norte e nordeste
do país.
O Brasil assinou um “Acordo de cooperação técnica” com a Organização
Pan-Americana da Saúde (que é um organismo internacional de saúde pública com
um século de experiência, dedicado a melhorar as condições de saúde dos países
das Américas) para ampliar o acesso da população brasileira à atenção básica em
saúde, tudo no âmbito da Organização Mundial da Saúde.
Através desse acordo ou convênio o Ministério da Saúde concretiza o
apoio à implementação do “Programa Mais Médicos”. O acordo abordará diretamente
o tema da ampliação do acesso aos serviços de saúde no nível da atenção básica
em municípios prioritários do país, contribuindo para a redução de iniqüidades
nessas localidades, e seguirá as determinações da Medida Provisória 621/2013. A execução do acordo, sustentado na cooperação
internacional em saúde, será realizada de forma a permitir que valores baseados
nas práticas do Sistema Único de Saúde sejam apropriados por profissionais
estrangeiros. Possibilitará, também, o intercâmbio de conhecimento na atenção
básica e a produção, sistematização e apropriação das experiências e boas
práticas nesse tema. Uma conseqüência direta esperada é a melhoria dos
indicadores de saúde nessas áreas.
É isso que se critica? Ora, a OPAS/OMS também faz parte dos sistemas da Organização
dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU). Essa
organização exerce um papel fundamental na melhoria de políticas e serviços
públicos de saúde, por meio da transferência de tecnologia e da difusão do
conhecimento acumulado por meio de experiências produzidas nos Países-Membros,
um trabalho de cooperação internacional promovido por técnicos e cientistas
vinculados à organização, especializados em epidemiologia, saúde e ambiente,
recursos humanos, comunicação, serviços, controle de zoonoses, medicamentos e
promoção da saúde. Todo esse esforço é direcionado para alcançar metas comuns,
como iniciativas sanitárias multilaterais, traçadas pelos governos que fazem
parte da OPAS/OMS, sempre com uma atenção especial aos grupos mais vulneráveis:
mães e crianças, trabalhadores, idosos, pobres, refugiados e desabrigados.
E há ainda as criticas entorno da atuação do
Ministro Ricardo Lewandowski.
O Professor Altamiro Velludo Salvador Netto escreveu um belo artigo no
qual discorre sobre o crime de corrupção e a interpretação dada a ele na AP 470
do STF. O artigo merece ser lido para que os que criticam o ministro
tenham outra visão, pois em vários momentos, foi dada interpretação nova para o
caso concreto e os nossos zelosos ministros, em sua maioria, ignoraram a boa
doutrina para atender a pressão da mídia e interesses que o tempo e a História haverão
de revelar.
E não se trata aqui de apologia à impunidade, mas de reafirmar o que Rui
Barbosa escreveu em 1890: "Nenhuma
virtude pode pôr acima da lei o chefe de uma nação republicana" e eu
acrescento, nem os ministros do STF estão acima da lei. O que alguns desses
senhores e senhoras fizeram é imoral.
E para aqueles intolerantes que criticam Lewandowski, o mais desagravado
dos Ministros do Supremo, uma advertência: censurar posturas diversas daquela
que se tem e, a um só tempo, alardear modernidade e pluralidade soa, no mínimo,
como hipocrisia. Uma sociedade aberta, tolerante e consciente pressupõe ampla
liberdade de opiniões.
Bem, penso que somos lançados
ao mundo ao qual buscamos sempre pertencer. De fato, o processo de
familiarização com o mundo nunca será completo, mesmo porque nossa passagem por ele é bastante efêmera, mas longa o
suficiente para que possamos nele intervir de maneira mais duradoura do que
nossa própria existência.
Nesse sentido a chegada dos médicos e as
ponderações de Lewandowiski possibilitam reflexão e ela [a reflexão] não é direito
é dever.
É dever, pois temos responsabilidade por nossas
ações no mundo, assim também por seus efeitos. E a responsabilidade possui
sempre uma dimensão relacional, ou seja, ultrapassa a esfera da intimidade e da
moralidade individual, sendo este o âmbito da culpa, não da responsabilidade.
As questões válidas são sempre fruto de reflexão.
Não se trata de saber se o indivíduo é bom ou não, mas se suas ações são boas
para o mundo em que vive. E em ambos os casos, tanto no “Mais Médicos”,
quanto nas divergências do Ministro há o
compartilhamento de reflexões e inquietações que ultrapassam a critica vazia e
a intolerância obtusa e buscam melhorar o mundo.
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