O
Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, deve ser um
brincalhão.
Quando ele
rejeitou os embargos infringentes apresentado por um
dos réus do chamado mensalão, afirmando que tal recurso não é previsto no ordenamento
jurídico brasileiro ele deveria estar brincando.
O Ministro
portou-se como um piadista, foi absolutamente ignorante ou tentou manipular a
opinião pública contra opinião diferente da sua, das três uma.
É verdade
que as reformas da legislação processual iniciadas no ano de 1994, através da
Lei nº 8950/94, nasceram com o propósito de simplificar e dar efetividade ao
procedimento, minimizar os males do decurso do tempo, aprimorar a qualidade dos
julgamentos e dar celeridade à tutela jurisdicional.
Também é verdade que o próprio Alfredo Buzaid,
na exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973, em que pese a
opção pela manutenção dos Embargos Infringentes, já concluíra que um dos
defeitos fundamentais do direito brasileiro era a quantidade excessiva de meios
de impugnar as decisões, mas negar a sua plena vigência é, repito: piada,
ignorância ou tentativa de manipulação.
Quando o Ministro Juca Barbosa
afirma que: “Admitir o recurso de
embargos infringentes seria o mesmo que aceitar a ideia de que o Supremo
Tribunal Federal, num gesto gracioso, inventivo, ad hoc, magnânimo, mas absolutamente ilegal,
pudesse criar ou ressuscitar vias recursais não previstas no ordenamento
jurídico brasileiro, o que seria inadmissível, sobretudo em se tratando de um
órgão jurisdicional da estatura desta Suprema Corte”, mostra
desconhecimento ou má-fé.
Má-fé? Sim má-fé, pois é inadmissível
a um Ministro das altas cortes do país, desconhecer o conteúdo do artigo 530 do
Código de Processo Civil ou do artigo 609 do Código de Processo penal e seu parágrafo único, no qual consta: “Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu,
admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro
de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do Art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão
restritos à matéria objeto de divergência.”.
E nesse
contexto de debate e busca do aperfeiçoamento, muito se questionou, e ainda se
questiona, sobre a pertinência da manutenção em nosso ordenamento jurídico dos
Embargos Infringentes e de fato a Comissão responsável pela reforma da lei
processual constituída no ano de 1991, coordenada pelo Instituto Brasileiro de
Direito Processual, liderada pelos professores Athos Gusmão Carneiro e Sálvio
de Figueiredo Teixeira, recebeu sugestões de renomados juristas para a
supressão dos Embargos Infringentes de nossa legislação.
Contudo, ao
justificar a manutenção do tão controvertido recurso, a Comissão responsável
pela reforma consignou na Exposição de Motivos da Lei nº 10.352/2001 que “Embora
sem paralelo no direito comparado, cuida-se, todavia de meio de impugnação
amplamente acolhido na tradição brasileira, e com bons resultados no sentido do
aperfeiçoamento da prestação jurisdicional”, não consigo acreditar que
o midiático Ministro Juca Barbosa ignore esse debate.
Com
efeito, os Embargos Infringentes, embora sem correspondentes no direito
comparado têm tradição no direito pátrio. Já no Código de Processo Civil de
1939, haviam os embargos de nulidade ou
infringentes do julgado eram previstos contra decisões não unânimes
proferidas em grau de apelação, que reformassem a sentença.
Mais
adiante, em 1964, quando da Exposição de Motivos do Anteprojeto de lei, Alfredo
Buzaid chegou a acenar para a supressão dos embargos, no entanto, no projeto de
lei apresentado em 1972 foram mantidos os Embargos Infringentes, sem que na
Exposição de Motivos do Código de 1973 houvesse qualquer referência às razões
que ensejaram a sua manutenção. Por sua vez, a reforma processual de 1994, mais
uma vez, não promoveu alterações substanciais nos Embargos Infringentes,
introduzindo somente alterações procedimentais.
Ou seja,
inobstante a celeuma sobre a manutenção dos Embargos Infringentes, os mesmos,
historicamente, se mantêm vivos em nosso ordenamento jurídico.
Mais
recentemente, no entanto, em face da Lei nº 10.352/01, o legislador impôs restrições
com relação ao cabimento dos Embargos Infringentes. Vejamos, então, o que reza
a atual redação do artigo 530 do Código de Processo Civil: “Cabem embargos infringentes
quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença
de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for
parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.”.
Penso que o Ministro Juca Barbosa conheça o Código de Processo Civil.
O STJ -
Superior Tribunal de Justiça, ao julgar a matéria em foco, no REsp 914896,
decidiu, em recente julgado, por maioria de votos, que o artigo 530 deve ser
interpretado de modo finalístico, de sorte que a decisão de mérito
imprescindível para o cabimento dos infringentes é o acórdão e não a sentença.
E não é
só.
Para Paulo
Afonso de Souza Sant’anna: “A alteração provocada pela Lei 10.352/2001 não teve
o condão de limitar os embargos infringentes às matérias de mérito porque, a
nosso ver, ainda será possível que os tribunais quando do julgamento deste tipo
de recurso, apreciem questões preliminares meramente processuais. Isso porque
na hipótese em que se julgue, em primeira instância procedente o pedido do
autor e o tribunal reconheça, por maioria, carência de ação, extinguindo o
processo. Nessa hipótese igualmente terá havido reforma de uma sentença de
mérito, atendendo, portanto, às exigências do art. 530 e possibilitando o
manejo dos embargos infringentes por parte do autor”.
Há ainda o
entendimento de Sérgio Gilberto Porto e Daniel Ustárroz: que afirma ser
imprescindível para o cabimento do recurso que o acórdão recorrido tenha
enfrentado o mérito da causa. Ou seja, caso o Tribunal, na análise da apelação,
tenha extinguido o feito, não têm lugar os embargos infringentes, devendo a
parte sucumbente se valer dos recursos extraordinários, na medida em que a via
ordinária de jurisdição estará esgotada, no seu “Manual dos Recursos Cíveis”,
2008, p. 173, talvez falte ao Ministro Pop Star voltar a ler os manuais.
Ou se ele
preferir poderá estudar a jurisprudência e encontrará o enunciado nº 207 da
Súmula do STJ o qual dispõe: “É
inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o
acórdão proferido no tribunal de origem”, no mesmo STJ há ainda a Súmula
255 que afirma “Cabem embargos infringentes contra acórdão proferido por
maioria...”.
O Ministro Juca Barbosa, querendo poderá ainda, entre uma
entrevista e outra, entre uma homenagem e outra, consultar as Sumulas do
Tribunal que ele preside. As Sumulas 354, 207, 293, por exemplo, afirmam o
cabimento dos Embargos Infringentes.
Até que ele resolva voltar a estudar aguardemos novas piadas do ministro Juca Barbosa, o brincalhão!
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