Introdução
Em 2008 escrevi “As
relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessam um momento de
tensão sem precedentes cuja natureza se pode resumir numa frase: a
Judicialização da política conduz à politização da Justiça”.
A “Judicialização” pode ocorrer de duas formas. Há
a chamada “Judicialização de baixa
intensidade”, quando membros isolados da classe política são investigados e
eventualmente julgados por atividades criminosas que podem ter ou não a ver com
o poder ou a função que a sua posição social destacada lhes confere. E a uma
segunda espécie de “Judicialização”, essa de alta intensidade, quando parte da classe política, não se
conformando ou não podendo resolver a luta pelo poder pelos mecanismos
habituais do sistema político democrático, transfere para os tribunais os seus
conflitos internos através de denúncias ao Ministério Público que acaba
ajuizando ações diversas contra os adversários dos denunciantes. Esse movimento
acaba criminalizando, artificialmente muitas vezes, fatos e atos que deveriam
ser resolvidos noutras searas.
E há ainda a participação da mídia no processo. A
função da mídia tradicional, ou a função à qual ela se presta, é a
espetacularização de fatos e atos os quais muitas vezes não foram sequer
denunciados formalmente pelo Ministério Público, fatos e atos que carecem de provas,
pois muitas vezes a denúncia encaminhada ao MP por atores políticos diversos
decorre da Judicialização de alta
intensidade acima referida.
E o objetivo dessa tática é que, através da
exposição do procedimento judicial junto ou através dos órgãos de imprensa,
seus adversários, qualquer que seja o desenlace, sejam enfraquecidos ou mesmo o
liquidados politicamente, algo questionável sob o ponto de vista ético e
democrático. Quando isso acontece há verdadeira renuncia da classe política, ou
parte dela, ao debate democrático. A transformação da luta política em luta
judicial e midiática tende a provocar convulsões sérias no sistema político.
Escrevi que “A Judicialização da política pode a conduzir à politização da Justiça
e esta consiste num tipo de questionamento da Justiça que põe em causa, não só
a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe
desígnios que violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de
soberania.” Mas ocorre algo ainda pior: a criminalização da
Política.
Isso mesmo. Política passou a ser sinônimo de
escândalo. Para grande parte da população resume-se a eleições, o que não é
verdade.
O que ocorre segue esse caminho:
Judicialização
>> Judicialização de
alta intensidade >> espetacularização >>
criminalização >> sentimento de descrédito na sociedade.
Esse sentimento de descrédito que é gerado em
relação à Política, nos políticos e no exercício da cidadania através da
política, é muito negativo e cria um imaginário coletivo de que “nada vale a pena”, de que “tudo sempre foi e será assim”. Então
passamos a ouvir expressões do tipo "são todos iguais" ou “política é
suja” reflete essa imagem parcial e deformada da política, criada pela mídia em
geral. No caso específico da televisão, por onde se informa a maioria absoluta
da população, a situação é ainda mais grave, pois como afirmou Laurindo Lalo Leal Filho “O Brasil é a única grande democracia do mundo
onde não existem debates políticos regulares nas redes nacionais abertas.”, tais debates só ocorrem, por
força de lei, às vésperas das eleições, reforçando ainda mais a ideia popular
de que política resume-se a eleições.
Penso que ao relacionarem cotidianamente política e
criminalidade os meios de comunicação, flertam com o golpismo e fazem um jogo
que somente interessa às elites e aos setores mais conservadores, pois se é
verdade e desejo da sociedade que os agentes públicos e privados envolvidos em
malfeitos de toda natureza devem ser investigados, processados e, em sendo culpados
e havendo provas, condenados, mas não se pode colocar todos numa vala comum,
não se pode relacionar tão levianamente Política com a criminalidade, não se
pode tratar a exceção como regra.
A corrupção é reconhecidamente um dos maiores
desafios das sociedades contemporâneas. E, ao contrario do que podemos imaginar
não está presente apenas nos governos, mas nas ações dos cidadãos comuns, das
entidades públicas e privadas, essa é a opinião do Professor Silvano Covas,
Mestre em Direito pela PUC SP.
Por isso todas as ações policias e do Ministério
Público Federal e da PGR que estão acontecendo são evidentemente positivas e
nos lembra a Operação Mãos Limpas ou Mani pulite. Mas pode nos remete, em certa medida, ao macarthismo,
e em se verificando que há uma certa seletividade das operações e, no caso do
Processo Criminal 470 sob análise do STF, como se comenta em alguns meios e
à santa
inquisição também.
1. A operação mãos limpas.
A operação
mãos limpas foi uma investigação judicial de grande envergadura
que aconteceu na Itália e que visava esclarecer
casos decorrupção durante a década de 1990, na sequência do escândalo
do Banco
Ambrosiano em 1982, que implicava a Mafia,
o Banco do
Vaticano e a loja maçonica P2.
A Mani pulite levou ao fim da
chamada Primeira República Italiana e ao desaparecimento de muitos partidos
políticos. Alguns políticos e industriais cometeram suicídio quando os seus
crimes foram descobertos.
Bem, durante a operação Mãos Limpas, 2.993
mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob
investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438
parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros.
Contudo, houve um efeito colateral que merece atenção:
a publicidade gerada pela operação Mãos Limpas acabou por deixar na opinião
pública a impressão de que toda a vida política e administrativa de Milão, e da
própria Itália, estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propina para
concessão de todo contratos do governo, sendo este estado de coisas apelidado
com a expressão “Tangentopoli” ou “Bribesville” ou "cidade da
propina". Mas não era toda administração pública que estava contaminada
pelo virus da corrupção. Como não é toda a administração pública no Brasil que
é corrupta, ao contrário.
Além disso aquela operação que foi de natureza
tipicamente policial, teve efeito Politico, pois alterou a correlação de forças
na disputa política da Itália, reduzindo o poder de partidos que haviam
dominado o cenário político italiano até então. Partidos como o Socialista
(PSI) e o da Democracia Cristã (DC), foram reduzidos, durante a
eleição de 1994, somente em 2,2% e 11,1% dos votos, respectivamente. É isso que
o a PGR pretende no Brasil? Predente a PGR, que mostrou-se tão intima de
Demóstenes Torres e que não viu ilicito relevante nas ações do bixeiro Carlos
Cachoiera, interferir politicamente?
2. O macarthismo
Já o macarthismo é o termo que descreve um período de
intensa patrulha anticomunista, perseguição política e desrespeito
aos direitos
civis nos Estados
Unidos que durou do fim da década de 1940 até meados da década de 1950. Foi uma época em que o medo do Comunismo e da sua influência em instituições
americanas tornou-se exacerbado, juntamente ao medo de ações de espionagem promovidas pela OTAN. Originalmente, o termo foi cunhado para
criticar as ações do senador americano Joseph McCarthy.
Durante o Macartismo, milhares de americanos
foram acusados de ser comunistas ou filocomunistas, tornando-se objeto de
investigações agressivas. A maior parte dos investigados pertencia ao serviço
público, à indústria do espetáculo, cientistas, educatores e sindicalistas. As suspeitas eram
freqüentemente dadas como certas mesmo com investigações baseadas em conclusões
parciais e questionáveis, além da magnificação do nível de ameaça que
representavam os investigados. Muitos perderam seus empregos, tiveram a
carreira destruída e alguns foram até mesmo presos e levados ao suicídio.
O Macarthismo realizou o que alguns denominaram
"caça às bruxas" na área cultural, atingindo atores, diretores e roteiristas que, durante a guerra, manifestam-se a
favor da aliança com a União Soviética e, depois, a favor de medidas para
garantir a paz e evitar nova guerra. O caso mais famoso nesta área foi Charlie Chaplin. Essa "caça às
bruxas" perdurou até que a própria opinião pública americana ficasse
indignada com as flagrantes violações dos direitos individuais.
As “certezas” do Senhor Gurgel e do Ministro
Joaquim Barbosa lembram as certezas senador republicano americano Joseph McCarthy. “Certezas” que são até hoje
um capitulo que envergonha a sociedade americana e a humanidade. Pois como
ensina Bauman as nossas certezas não nos autorizam a patrocinar barbaridades.
3. Sobre a Judicialização da Politica.
Bem, sempre que as relações entre o sistema judicial e o sistema
político atravessam um momento de tensão sem precedentes, cuja natureza se pode
resumir numa frase: a Judicialização da política conduz à politização da
justiça.
A opinião é do sociólogo português Boaventura Santos. Há Judicialização
da política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções,
afetam de modo significativo as condições da ação política, ou de questões que
originariamente deveriam ser resolvidas na arena política e não nos tribunais.
Esse fato pode ocorrer por duas vias principais: uma, de baixa intensidade, quando membros
isolados da classe política são investigadores e eventualmente julgados por
atividades criminosas que podem ter ou não a ver com o poder ou a função que a
sua posição social destacada lhes confere.
Mas há outra via, de alta intensidade, quando parte da classe política - não se conformando ou não podendo resolver a luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político democrático - transfere para os tribunais os seus conflitos internos, por meio de denúncias ao Ministério Público (e algumas vezes do próprio MP), ou ajuizando ações diversas.
Ocorre a Judicialização de alta intensidade, por exemplo, que vemos
quando partidos e parlamentares renunciam ao debate democrático e deslocam para
o Judiciário os conflitos que não são, a priori, jurídicos ou judiciais. Ou
quando vemos o Ministério Público usar a credibilidade da imprensa para obter
apoio da opinião pública para afirmação de suas convicções.
E o objetivo dessa tática (transferir
tudo para o Judiciário e usar a imprensa) é - por meio da exposição
judicial e em conjunto com os órgãos de imprensa de seus adversários - qualquer
que seja o desenlace, enfraquecer, ou mesmo o liquidar, politicamente o
adversário. Isto é algo questionável sob o ponto de vista ético e democrático.
O Professor Boaventura Santos afirma que, no momento em que isso ocorre, a classe política, ou parte dela, “tende a provocar convulsões sérias no sistema político”. Isso se dá quando ocorre a renúncia ao debate democrático e a transformação da luta política em luta judicial o fato.
A Judicialização da política pode a conduzir à politização da justiça. Esta consiste num tipo de questionamento da justiça que põe em causa, não só a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania.
Ademais, a politização da justiça coloca o sistema judicial numa
situação de stress institucional que, dependendo da forma como o gerir, tanto
pode revelar dramaticamente a sua fraqueza, como a sua força.
A midiatização das
investigações e das operações do Ministério Público, como método ou tática,
busca transformar a plácida obscuridade dos processos e procedimentos judiciais
em algo trepidante, próprio da ribalta midiática, transforma processos em
dramas judiciais. Esta transformação é problemática devido às diferenças entre
a lógica da ação midiática, dominada por tempos instantâneos, e a lógica da
ação judicial, dominada por tempos processuais lentos, “demora” que passa ao
cidadão comum a falsa sensação de que “nada mudou”.
É certo que tanto a ação judicial como a ação midiática partilham o gosto pelas dicotomias drásticas entre ganhadores e perdedores. Mas, enquanto a primeiro exige prolongados procedimentos de contraditório e provas convincentes, a segunda dispensa tais exigências.
Em face disto, quando o conflito entre o judicial e o político ocorre na mídia, esta, longe de abranger veículos neutros, é um fator autônomo e importante do conflito.
E, sendo assim, as iniciativas tomadas para atenuar ou regular o
conflito entre o judicial e o político não terão qualquer eficácia se os meios
de comunicação social não forem incluídos no pacto institucional. É preocupante
que tal fato passe despercebido e que, com isso, se trivialize a lei da selva
mediática em curso.
O uso do judiciário e da mídia, o deslocamento desmedido de questões
políticas e policiais para o campo judicial e midiático pode revelar ausência
de espírito democrático de quem age assim e, em tese, verdadeira litigância de
má-fé e ausência de espírito republicano.
4. Processo 470: Auto-de-fé ou Processo legal?
Quando uma questão judicializada é
espetacularizada temos de pensar nas razões...
O Processo 470 tem sido tratado pela mídia como
verdadeiro espetáculo, um verdadeiro auto-de-fé, epecialmente em relação
ao ex-ministro José Dirceu, contra quem não há sentença transitada em julgado e
José Dirceu foi recentemente inocentado em processo que tramitou no STJ, o qual
analisou ato de improbidade administrativa.
Isso mesmo. José
Dirceu acusado de envolvimento no chamado “escândalo do mensalão” ficaram
livres de responder a uma ação civil pública por improbidade administrativa, o
ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou recurso
do Ministério Público Federal (MPF) contra decisão do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região (TRF1) [1].
Porque a PGR e os meios de comunicação, tão empenhados
em manter a sociedade informada, não dizem à população que José Dirceu foi
absolvido em processo que apurou a improbidade administrativa?
Como as dinâmicas entre o espetáculo midiádico e
dos processos judiciais são distintas (espetáculo, em tese, patrocinado ou
fomentado pela PGR ou por interesses ainda não identificados) a população, em
razão da demora dos processos e passado fica com a sensação de que “nunca
acontece nada”, o que é não é verdade e é muito ruim.
E que fique claro minha divergência é com o
método reprovável da PGR de usar a mídia, de espetacularizar seu trabalho o
que, com todo respeito, lembra também os métodos da “Santa Inquisição”.
A inquisição era uma corte religiosa, era
operada por autoridades da igreja. Porém se uma pessoa fosse considerada
herege, a punição era entregue às autoridades seculares, pois "a igreja
não derramava sangue".
As punições variavam: da mais comum que era
a vergonha pública (obrigar
o uso dosambenito, uma roupa de
penitente, usar máscaras de metal com formas de burro, usar mordaças) até ser queimado em praça pública,
quando o crime era mais grave. Essas punições eram feitas em cerimônias públicas, chamadas autos-de-fé, que aconteciam uma vez
por ano na maioria dos casos. Algumas pessoas acusavam outras por vingança, ou
para obter recompensas da Coroa. A própria Coroa Espanhola beneficiava-se, ao
desapropriar os bens dos conversos.
5. Conclusões.
Acredito que a Judicialização e a
espetacularização tem viés anti-democrático.
Afirmo isso apesar de o bom amigo Marcel Cheida,
professor da PUC Campinas, afirmar que a exposição, para o bem ou para o mal, é
o risco de qualquer pessoa pública que a “A exposição pública seria uma
forma de contrapoder, exatamente para que a permanente fiscalização do eleitor
iniba o arbítrio e a exacerbação do poder e sua natureza corrupta”, eu não
concordo com isso.
Não concordo, mas a opinião é interessante. Mas
não se sustenta, pois não podemos esquecer do Direito ao Devido Processo Legal, do Direito à Ampla Defesa e ao Principio
da Presunção da Inocência, bem como que o Interesse Público deve estar sempre acima de tudo.
Semear a falta de confiança nos Poderes e nas
instituições (resultado da judicialização e espetacularização da e fatos
politicos) chega a ser imoral, penso que a confiança da sociedade nos Poderes,
nas instituições e nas estruturas do Estado é de Interesse Público e que tudo
deveria ser feito em relação ao Processo Criminal 470 que tramita no STF
informando a sociedade através da imprensa livre, mas sem espetáculo, sem a crueldade imposta
àqueles reus que, inclusive foram absolvidos noutro processo correlato no STJ.
É inegável que a midia, parte dela, exagera e
desvirtua (ou se contaminam pela corrupção e por seu interesses corporativos),
mas não concordo com o que o Professor Marcel Cheida afirmou, que essa
exposição seja “o preço pago pelo homem público”, pois em se mantendo essa
lógica (judicialização >>
espetaculização >> criminalização) estaremos rebaixando o exercicio
da cidadania.
Apenas o aperfeiçoamento das instituições permite
reduzir o grau de erro delas mesmas. Numa democracia o Direito deve prevalecer,
caso contrário, temos o autoritarismo a contaminar bastante as relações de
poder no Brasil.
É por essas e outras que não
se deve transformar as necessárias e fundamentais ações da PGR e a ação da
midia em autos-de-fé nem
se deve fazer uso da vergonha pública como
punição prévia ao processo e à propria condenação.
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