Em 2008 escrevi “As relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessam
um momento de tensão sem precedentes cuja natureza se pode resumir numa frase:
a Judicialização da política conduz à politização da Justiça, essa é a opinião
do Sociólogo português Boaventura Santos. Há Judicialização da política sempre
que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo
significativo as condições da ação política, ou de questões que originariamente
deveriam ser resolvidas na arena política e não nos tribunais.” [1].
A
“Judicialização” pode ocorrer de duas formas. Há a chamada “Judicialização de
baixa intensidade”, quando membros isolados da classe política são
investigadores e eventualmente julgados por atividades criminosas que podem ter
ou não a ver com o poder ou a função que a sua posição social destacada lhes
confere. E a uma segunda espécie de “Judicialização”, essa de alta intensidade,
quando parte da classe política, não se conformando ou não podendo resolver a
luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político democrático,
transfere para os tribunais os seus conflitos internos através de denúncias ao
Ministério Público que acaba ajuizando ações diversas contra os adversários dos
denunciantes. Esse movimento acaba criminalizando, artificialmente muitas
vezes, fatos e atos que deveriam ser resolvidos noutras searas.
E há ainda a
participação da mídia no processo. A função da mídia tradicional, ou a função à
qual ela se presta, é a espetacularização de fatos e atos os quais muitas vezes
não foram sequer denunciados formalmente pelo Ministério Público, fatos e atos
que carecem de provas, pois muitas vezes a denuncia encaminhada ao MP por atores
políticos diversos decorre da Judicialização
de alta intensidade acima referida.
E o objetivo dessa
tática é que, através da exposição do procedimento judicial junto ou através
dos órgãos de imprensa, seus adversários, qualquer que seja o desenlace, sejam
enfraquecidos ou mesmo o liquidados politicamente, algo questionável sob o
ponto de vista ético e democrático. Quando isso acontece há verdadeira renuncia
da classe política, ou parte dela, ao debate democrático. A transformação da
luta política em luta judicial e midiática tende a provocar convulsões sérias
no sistema político.
Escrevi no
artigo citado que “A Judicialização da
política pode a conduzir à politização da Justiça e esta consiste num tipo de
questionamento da Justiça que põe em causa, não só a sua funcionalidade, como
também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que violam as regras da
separação dos poderes dos órgãos de soberania.” Mas ocorre algo ainda pior:
a criminalização da Política.
Isso mesmo. Política
passou a ser sinônimo de escândalo. Para grande parte da população resume-se a
eleições, o que não é verdade.
O que ocorre
segue esse caminho: Judicialização
>> Judicialização de alta intensidade >> espetacularização >>
criminalização>> sentimento de descrédito na sociedade.
Esse
sentimento de descrédito que é gerado em relação à Política, nos políticos e no
exercício da cidadania através da política, é muito negativo e cria um imaginário
coletivo de que “nada vale a pena”, de que “tudo sempre foi e será assim”.
Então passamos a ouvir expressões do tipo "são todos iguais" ou
“política é suja” reflete essa imagem parcial e deformada da política, criada
pela mídia em geral. No caso específico da televisão, por onde se informa a
maioria absoluta da população, a situação é ainda mais grave, pois como afirmou
Laurindo Lalo Leal Filho[2]
“O Brasil é a
única grande democracia do mundo onde não existem debates políticos regulares
nas redes nacionais abertas.”, tais debates só ocorrem, por força de lei,
às vésperas das eleições, reforçando ainda mais a ideia popular de que política
resume-se a eleições.
Penso que ao
relacionarem cotidianamente política e criminalidade os meios de comunicação, flertam
com o golpismo e fazem um jogo que somente interessa às elites e aos setores
mais conservadores, pois se é verdade e desejo da sociedade que os agentes
públicos e privados envolvidos em malfeitos de toda natureza devem ser
investigados, processados e, em sendo culpados e havendo provas, condenados,
mas não se pode colocar todos numa vala comum, não se pode relacionar tão
levianamente Política com a criminalidade, não se pode tratar a exceção como
regra.
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