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vulnerabilidade externa e Direito


Quando falamos em vulnerabilidade externa temos que fazer uma necessária reflexão sobre o contexto Histórico em que ela deve ser compreendidas, bem como é importante que não se perca de vista que o mundo e a sociedade vivem sob orientação de um sistema econômico denominado capitalismo, sistema sustentado ideologicamente por um Direito que busca proteger o modo de produção e a lógica capitalista.
Um sistema que segundo Zygmunt Bauman para além de qualquer dúvida “não pode ser coerente e completo”, pois se é coerente com seus princípios, surgem problemas que não é capaz de enfrentar. E ele cita como exemplo a “aventura das hipotecas subprime, vencidas à opinião pública como forma de solucionar o problema dos sem-teto, esta praga que, como todos sabem, o capitalismo produz sistematicamente, acabou, ao contrário, multiplicando o número de pessoas se casa, com epidemia de retomada de imóveis. Se ele tenta resolver esses problemas, não pode fazê-lo sem cair na incoerência em relação a seus próprios pressupostos fundamentais.”[1].
Mas o que Bauman quer dizer com isso? E qual a relação dessa afirmação, de caráter sociológico, com a questão da vulnerabilidade externa? Bem, Rosa Luxemburgo[2] afirmou que a acumulação capitalista, pressuposto fundamental do sistema, não pode sobreviver sem as economias “não capitalistas”. Para ela o sistema só é capaz de sobreviver e avançar seguindo os próprios princípios enquanto houverem “terras virgens”, abertas à expansão e à exploração, “embora, ao conquistá-las e explorá-las, ele [o capitalismo] as prive de sua virgindade pré-capitalista, exaurindo assim as fontes de sua própria alimentação.”.

Ou seja, o capitalismo seria um sistema parasitário e, como todos os parasitas, só pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento, mas não pode fazer isso sem prejudicar o hospedeiro, destruindo, cedo ou tarde, as condições de sua prosperidade ou mesmo sobrevivência. Para Bauman “o famigerado affaire das ‘hipotecas subprime” [3], que estão na origem da atual crise global demonstra o quão vulneráveis podem ser economias de vários Estados nacionais diante de um quadro como esse de proporções globais.
Nesse contexto é possível afirmar que o Brasil e sua economia caminham hoje sobre o acúmulo de aprendizado e conquistas realizadas ao longo da história, as quais são, ao mesmo tempo, mudança e continuidade. E se há avanços recentes, é justo lembrar que muitos, a seu tempo e a seu modo, deram grandes contribuições às conquistas possíveis do Brasil de hoje.
É justo lembrar que se vivemos um dos melhores períodos da vida nacional, com milhões de empregos estão sendo criados, tem especial atenção o resgate da nossa histórica dívida social (estão sendo resgatados milhões de brasileiros da tragédia da miséria e ajudando outros milhões a alcançarem a classe média), nossa taxa de crescimento mais que dobrou e que o país encerrou um longo período de dependência do FMI e que foi superado o fantasma da nossa dívida externa, mas a nossa vulnerabilidade externa não é menos real e sua influência sobre a balança de pagamentos é algo significativo.
A preocupação com a vulnerabilidade externa foi expressamente tratada pela Presidenta Dilma Rousseff no seu discurso de posse. Ela afirmou que “Para enfrentar estes grandes desafios é preciso manter os fundamentos que nos garantiram chegar até aqui. Mas, igualmente, agregar novas ferramentas e novos valores.”, pois há reformas a serem realizadas, e lá pelas tantas a Presidenta reafirma o compromisso de “... manter a estabilidade econômica como valor absoluto. Já faz parte de nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que esta praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres.”.
E como se pretende manter a estabilidade econômica como valor absoluto? fortalecendo nossas reservas para garantir o equilíbrio das contas externas; atuando fóruns multilaterais na defesa de políticas econômicas saudáveis e equilibradas; protegendo o país da concorrência desleal e do fluxo indiscriminado de capitais especulativos; lutando contra o protecionismo dos países ricos que sufoca qualquer possibilidade de superação da pobreza de tantas nações pela via do esforço de produção  e cuidando de fazer um trabalho permanente e continuado para melhorar a qualidade do gasto público[4]. Por quê? Porque apesar de décadas de neoliberalismo o Brasil optou, historicamente, por construir um estado provedor de serviços básicos e de previdência social pública, o que significa, por óbvio, custos elevados para toda a sociedade, mas significa também a garantia do alento da aposentadoria para todos e serviços de saúde e educação universais.
E, lamentavelmente, não é através do Direito, das leis, dos decretos, dos regulamentos que se enfrentará a vulnerabilidade externa com eficiência, mas com políticas macroeconômicas, pois no que diz respeito ao Direito cada sociedade manifesta um determinado direito, diverso e distinto de outros direitos que se manifestam em outras sociedades[5]. Especialmente porque no chamado “direito do modo de produção capitalista” os seres concretos que dão sustentação a ele estão distribuídos em duas categorias uniformes: as pessoas e as coisas (bens de produção, bens de consumo, ativos financeiros, etc.) o objeto de tutela jurídica concretamente são as coisas, os contratos e a propriedade e não as pessoas. Ou, noutras palavras, o direito é afetado pela racionalidade, que lhe permite o desempenho da função de ordenar a circulação econômica regulada pelo mercado.


[1] Bauman, Capitalismo Parasitário p. 8, Ed. ZAHAR.
[2] Rosa Luxemburgo, A acumulação, Rio de Janeiro, Ed. ZAHAR.
[3] Bauman ob. Cit. p. 9.
[4] Fator importante da qualidade da despesa é o aumento dos níveis de investimento em relação aos gastos de custeio. O investimento público é essencial como indutor do investimento privado e como instrumento de desenvolvimento regional.
[5] Eros Grau, O Direito posto e o Direito Pressuposto, p. 84, Ed. Malheiros.

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