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DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS II


O Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Cezar Peluso, acredita que os juízes que cometem irregularidades ou mesmo aqueles que se envolvem em casos de corrupção devem ser exemplarmente punidos. Mas, sem estardalhaço.
O Ministro afirma que não suporta, como qualquer magistrado responsável, infrações disciplinares de juízes. E acho que o juiz tem que ser um modelo. É claro que o juiz é ser humano como qualquer outro. Portanto, estão sujeitos às mesmas falhas, aos mesmos desvios. E afirma que “do ponto de vista ético, a exigência é de o juiz ser o mais perfeito possível. Se ele cometeu desvio, tem que ser punido”.
Mas faz um recorte interessante e afirma que “apurar procedimentos irregulares de juízes e punir é uma coisa. Usar o procedimento de apuração e a punição dos juízes para criar uma comoção me parece absolutamente injustificado e contrário à dignidade das pessoas.”, o Ministério Público em Campinas tem uma prática bem diferente dessa sugerida por Peluso.
Peluso afirma que “se réu a gente tem que tratar bem, por que os juízes têm que sofrer um processo de exposição pública maior que os outros? O interesse da sociedade é que os juízes sejam punidos, ponto final. Se a punição foi aplicada de um modo reservado, apurada sem estardalhaço, o que interessa para a sociedade? A sociedade sabe do resultado, sabe que não há impunidade, e que o sistema pune, acabou.”.
Eu concordo em parte com o Ministro. Acho que a investigação deve ser reservada sim, mas o processo e a punição têm de ser informados à sociedade responsavelmente, sem espetáculo e sem estardalhaço (expressão usada pelo Ministro Peluso).
O trabalho do GAECO-Campinas na investigação dos prováveis ilícitos em contratos de obras e prestação de serviços com a SANASA é necessário e positivo, mas quero relembrar o caso conhecido como “Escola Base.”
Em março de 1994, vários órgãos da imprensa publicaram uma série reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, todas alunas da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, na capital. Os seis acusados eram os donos da escola e os funcionários, além de um casal de pais.
De acordo com as denúncias apresentadas pelos pais, Maurício Alvarenga, que trabalhava como perueiro da escola, levava as crianças, no período de aula, para a casa de Nunes e Mara, onde os abusos eram cometidos e filmados. O delegado Edelcio Lemos, sem verificar a veracidade das denúncias e com base em laudos preliminares, divulgou as informações à imprensa.
A divulgação do caso levou à depredação e saque da escola. Os donos da escola chegaram a ser presos. No entanto, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas. Não havia qualquer indício de que a denúncia tivesse fundamento.
Com o arquivamento do inquérito, os donos e funcionários da escola acusados de abusos deram início à batalha jurídica por indenizações. Além da empresa 'Folha da Manhã', outros órgãos de imprensa também foram condenados, além do governo do estado de São Paulo. Outros processos de indenização ainda devem ser julgados. Isso não pode ser esquecido.
Bem, não há um só cidadão que duvide ou negue as conquistas democráticas, elevadas a direitos constitucionais, contidos na CF de 1988. Dentre essas conquistas democráticas estão as chamadas novas atribuições do Ministério Público.
Constitucionalmente, o Ministério Público tem assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor, ao Poder Legislativo, a criação e a extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória, os planos de carreira, bem como a sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.
Por tudo isso os jovens e diligentes Promotores do GAECO-Campinas estão de parabéns. Estão de parabéns no que diz respeito à realização de investigações cujo objetivo seja zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.
Mas esses mesmos Promotores andam muito mal quando espetacularizam (e agora tenho o Ministro Peluso como aliado) seu trabalho e usam a midia para tratar “investigados” como réus condenados. Qual dos investigados já teve a denuncia recebida? Nenhum. Qual dos investigados foi condenado? Nenhum. Contra qual dos investigados há sentença transitada em julgado? Nenhum.
Por que não dizem à população que as investigações são apenas o 1º. Passo? Para a população TODOS os investigados são “farinha do mesmo saco” e já estariam processados e condenados, o que não é verdade.
E o que é pior, como as dinâmicas entre o espetáculo patrocinado e fomentado pelo MP e por interesses ainda não identificados e os processos que se seguirão são distintas a população, passado o efeito do espetáculo midiático, fica com a sensação de que “nunca acontece nada”, o que é não é verdade e é muito ruim.
O Ministro Peluso conta que o ministro Ari Pargendler, presidente do STJ, disse a ele que “a abertura de um processo contra um juiz, ainda que ele seja absolutamente inocente, acaba com a carreira e com o exercício da função. Esse juiz fica marcado para o resto da vida. Ainda que, depois, se decida que ele era absolutamente inocente e que o procedimento foi absolutamente injustificado, a imagem dele estaria liquidada. Isso não é bom pra ele, porque não há nada no mundo que restitua a condição anterior. E não é bom para a sociedade, porque traz a idéia de que a Justiça é um organismo constituído de pessoas sem a mínima ética, o que não é verdade.”, essa lógica vale não apenas para o Poder Judiciário. Vale para todos os cidadãos e para os membros dos Poderes da República.
A minha divergência não é com a investigação, nem com a operação, nem com as prisões, mas com o método do MP de usar a mídia, de espetacularizar seu trabalho o que, com todo respeito que o MP merece, lembra também os métodos da “Santa Inquisição” (e parece que o Presidente do STF pensa como eu).
A inquisição era uma corte religiosa, era operada por autoridades da igreja. Porém se uma pessoa fosse considerada herege, a punição era entregue às autoridades seculares, pois "a igreja não derramava sangue". As punições variavam: da mais comum que era a vergonha pública (obrigar o uso do sambenito, uma roupa de penitente, usar máscaras de metal com formas de burro, usar mordaças) até ser queimado em praça pública, quando o crime era mais grave. Essas punições eram feitas em cerimônias públicas, chamadas autos-de-fé, que aconteciam uma vez por ano na maioria dos casos. Algumas pessoas acusavam outras por vingança, ou para obter recompensas da Coroa. A própria Coroa Espanhola beneficiava-se, ao desapropriar os bens dos conversos.
Como me alertou um bom amigo a exposição, para o bem ou para o mal, é o risco de qualquer pessoa pública. “A exposição pública seria uma forma de contrapoder, exatamente para que a permanente fiscalização do eleitor iniba o arbítrio e a exacerbação do poder e sua natureza corrupta”, disse o meu amigo Marcel Cheida. Interessante a observação, mas o interesse público deve estar sempre acima de tudo e eu penso que a confiança da sociedade nos Poderes, nas instituições e nas estruturas do Estado é de interesse público e que tudo poderia ser feito: a investigação, a operação, as prisões e necessariamente a informando a sociedade através da imprensa livre, mas sem espetáculo.upta. Os jornais, concordo, exageram e desvirtuam, quando não se contaminam pela corrupção. Por isso o Brasil precisa pensar e aperfeiçoar os mecanismos legais de reparação às ofensas morais e à imagem. É o preço pago pelo homem público. O aperfeiçoamento das instituições permite reduzir o grau de erro delas mesmas. Não vejo uma simetria de direitos entre o agente público e o cidadão; numa democracia, de fato, o direito deste deve prevalecer sobre o direito daquele. Caso contrário, temos o autoritarismo, que contamina bastante as relações de poder no Brasil.
É por essas e outras que não se deve transformar as necessárias e fundamentais investigações do MP ou do CNJ em autos-de-fé nem se deve fazer uso da vergonha pública como punição prévia ao processo e à propria condenação. 

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