"Quando tinha uns 10 anos de idade uma amiga do meu irmão mais velho, a Bianca, nos levou para conhecer o haras no qual fazia equitação, a Escuderia Prima aqui em Sousas. Eu e meu irmão, Lucas, ficamos encantados com o local e principalmente com os cavalos. Assim, nós começamos a praticar o esporte muito intensamente, compramos cavalos e participamos de competições. Até hoje meu pai fala que a Bianca lhe deve muito dinheiro, já que ele gastou muito com o esporte.
Quando nós já alcançamos certo nível técnico saímos do aras e fomos para a Hípica. Nesse período eu já tinha por volta dos doze ou treze anos. Eu montava no meu cavalo quase todos os dias, ele se chamava Digno, um cavalo branco, lindo. E como quase todos os dias eu montava, quase todos os dias eu tinha que encilhá-lo. Dos muitos encilhadores me lembro muito de um, o João ferreiro, ele próprio se chamava assim, pois também colocava ferradura nos cavalos.
Lembro-me dele porque ele era o mais engraçado de todos, ou melhor, o mais “sarrista”. Sempre fazendo piadas, nem sempre de bom gosto, normalmente eram muito preconceituosas. O homem era alto, forte, negro e tinha os dentes mais brancos que eu já vi. Até que um dia, enquanto eu esperava o Digno ser encilhado, ele fez uma piada muito sem graça sobre a cidade de Campinas, dizendo que era terra de “viados”. Lembro que fiquei quito até que outro funcionário disse para ele tomar cuidado, pois tinha outro Maciel por ali. Ele então parou de gargalhar na hora. Eu não entendi nada. Até que ele chegou perto de mim e perguntou o nome do meu avo, eu respondi que era Rogério. Ele se calou, sentou numa cadeira e me disse que não faria mais piadas pejorativas sobre campineiros na minha frente, eu, sem entender nada perguntei o porque.
Então ele me contou a historia que quando ele era muito moço e estava começando a trabalhar como ferreiro meu avô foi até ele ferrar seu cavalo. Como o cavalo estava sem ferradura bambeou com a perna traseira, o que ficou parecendo um rebolado. Na hora ele fez o comentário de que só podia ser cavalo de campineiro para rebolar daquele jeito. Ele caiu na gargalhada e meu avô riu com ele, porém, de forma irônica. Até que meu avô se aproximou dele calmamente, pegou-lhe pelo pescoço e disse: “Eu gostaria de recitar para o senhor um versinho. Posso?” João disse que não sabia o que fazer, então ficou mudo e meu avô retomou seu raciocínio: “Campinas terra das andorinhas, bela cidade belos caminhos, beleza de hoje, beleza de outrora onde os homens são machos e os viados vêm de fora seu filho da puta!” quando meu avô terminou de recitar, encheu a cara de João com um soco tão forte que ele desmaiou.
Quando ele terminou a história fiquei chocado, sempre ouvia “causos” que meu avô contava, mas foi a primeira vez contada por outra pessoa. Apesar de certo espanto, enxerguei dentro de mim, mesmo sem entender o motivo, pela primeira vez certo carinho por Campinas. Terminei de encilhar meu cavalo e fui montar com aquilo na cabeça, um sentimento de orgulho que nunca tinha tido antes. O curioso é que eu talvez nunca soubesse do versinho do meu avô se a Bianca não tivesse nos levado ao haras."
Caio Maciel é jornalista
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