Pular para o conteúdo principal

Qual o papel da sociedade civil em tempos de judicialização da politica?


Vou tentar compartilhar com vocês uma idéia que eu tenho de que a JUDICIALIZAÇÃO DA POLITICA, fenômeno sócio-político, enfraquece e desequilibra as instituições, a relação entre os poderes, própria democracia e o poder de articulação e influência da SOCIEDADE CIVIL.

Podemos entender sociedade civil como um campo de ação humana, de interação social influenciada pela economia, subordinada a um Estado, e que tem por características a pluralidade, publicidade e privacidade. A sociedade civil representa a ação legitima de contestação social, é o campo onde a sociedade associa-se em redes e essas redes constituem um campo de luta e uma arena onde se forjam alianças, identidades coletivas e valores éticos que buscam influenciar o Estado na elaboração e execução de políticas públicas, sempre através da participação popular, seu elemento legitimador.

A Judicialização da Política, na minha maneira de ver, se contrapõe às ações e práticas necessárias e típicas da sociedade civil, pois na Judicialização a participação popular, as ações politicas, o debate, a busca negociada dos conflitos é substituida por métodos tipicamente judiciais em disputas cuja natureza originária é tipicamente política.

É verdade que podemos justificar a ampliação da atuação dos tribunais, pela via do poder de revisão judicial de ações legislativas e executivas e sem a participação efetiva da sociedade civil, em razão da constitucionalização de direitos e dos mecanismos de checks and balences, também porque passaram a fazer parte das estruturas do Poder Executivo e do Poder Legislativo mecanismos e procedimentos tipicamente judiciais (Tribunais de Contas e Comissões Parlamentares de Inquerito, por exemplo) e porque as transformações constitucionais pós-88 permitiram um maior protagonismo do Poder Judiciário, talvez em virtude da amplicação dos instrumentos de proteção judicial colocados à disposição de minorias parlamentares, governos, associações civis e profissionais.

O problema está no excesso e no sistema hibrido de controle de constitucionalidade. No Brasil convivem os controles difuso e concentrado de constitucionalidade, e seria essa convivência que teria possibilitado o fenômeno da judicialização da politica e o enfraquecimento da sociedade civil. O que vemos são ONG’s e associações em geral substituirem a militância e a interlocução necessária e produtiva com os Poderes Legislativos e Executivo pela imediata transformação de todas as questões em demandas judiciais. O Ministro Gilmar Mendes afirma que esse fenômeno não encontra paradigma desconhecido nas democracias maduras, chega-se ao absurdo de minorias derrotadas majoritariamente na arena politica buscarem na Justiça revogar ou desqualificar as decisões da maioria
[1].

Acredito que esse fenômeno conflita com a Democracia. O Professor Rogério Bastos Arantes afirma que os impactos dessa expansão são indesejáveis, pois dentre outras coisas aumenta a incerteza do valor das decisões políticas, acrescento: a sociedade passa a ver a arena politica como um campo de segunda categoria, afinal a excessiva judicialização da politica passa a idéia equivocada de que a sociedade civil é incapaz de defender seus interesses organizadamente e que as instituições políticas não são confiáveis. Vejo na substituição do movimento da sociedade civil pela excessiva judicialiação como vitória indesejada de uma visão elitista que não estimula a participação popular nem a construção de estruturas capazes de transformar democraticamente a realidade através do debate político, eternizando a idéia de que a sociedade precisa ser tutelada e que o Poder Judiciário, cuja estrutura é devota muito mais da meritocracia do que da democracia. É de se pensar.


[1] Opinião do Ministro Gilmar Mendes, citada em “Sentidos da Judicialização da Política: Duas Análises”, Lua Nova No. 57, p. 117.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SOBRE PERIGOSO ESTADO MINIMO

O governo Temer trouxe de volta a pauta neoliberal, propostas e ideias derrotadas nas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014. Esse é o fato. Com a reintrodução da agenda neoliberal a crença cega no tal Estado Mínimo voltou a ser professada, sem qualquer constrangimento e com apoio ostensivo da mídia corporativa. Penso que a volta das certezas que envolvem Estado mínimo, num país que ao longo da História não levou aos cidadãos o mínimo de Estado, é apenas um dos retrocessos do projeto neoliberal e anti-desenvolvimentista de Temer, pois não há nada mais velho e antissocial do que o enganoso “culto da austeridade”, remédio clássico seguido no Brasil dos anos de 1990 e aplicado na Europa desde 2008 com resultados catastróficos. Para fundamentar a reflexão e a critica é necessário recuperarmos os fundamentos e princípios constitucionais que regem a Ordem Econômica, especialmente para acalmar o embate beligerante desnecessário, mas sempre presente. A qual embate me refiro? Me ref...

DA FAMÍLIA CORLEONE À LAVA-JATO

A autolavaggio familiare agiu e reagiu, impondo constrangimento injusto ao atacar a reputação de advogados honrados. Me refiro a Roberto Teixeira e Cristiano Zanin. Já perguntei aqui no 247 [1] : “ Serão os jovens promotores e juízes "de baixa patente" os novos tenentes" Penso que sim, pois assim como os rebeldes do inicio do século XX, os jovens promotores e juízes, passaram a fazer política e interferir nas instituições e estruturas do Estado a seu modo. Mas em alguns momentos as ações e reações deles lembram muito a obra de Mario Puzzo. As ideais dos rebeldes do início do século XX, assim como dos promotores e juízes desde inicio de século XXI, eram ao mesmo tempo conservadoras e autoritárias; os tenentes defendiam reformas políticas e sociais - necessárias naquele momento -, e no discurso estavam presentes os sempre sedutores temas do combate à corrupção e defesa da moralidade política. Deltan Dallagnol e Sérgio Moro representam os jovens promotores e juízes d...

PALOCCI, UM GRANDE FILHO DA PUTA.

Todos que jogam ou jogaram futebol, bem como aqueles apaixonados que frequentam as arquibancadas para torcer pelo seu time do coração ouvem e, por certo, já proferiram a libertadora expressão “ filho da puta ” ou, com mais esmero, “ filho de uma puta ”, dentre outros palavrões de caráter igualmente libertador. E todos sabem que tal expressão tem semântica própria, pois ninguém que refere à mãe daquele a quem direcionamos qualquer dos necessários palavrões. O adequado uso de palavrões representa síntese e expressa indignação diante de um erro inescusável do Juiz ou de um dos jogadores de qualquer dos times, há, portanto, uma dialética nos palavrões e isso merece atenção. Ou seja, é há uma dialética do palavrão. Na literatura também encontramos o uso de palavrões. Entre os escritores mais lidos da literatura brasileira, o romancista baiano Jorge Amado (1912-2001) é um dos que mais usa o palavrão em sua vasta obra literária. E falando em romances, Amado não é o único int...