“O povo escolhe de maneira admirável aqueles
aos quais deve confiar parte de sua própria autoridade” (Montesquieu, De
l’Esprit dês lois – 1748)
Joseph Schumpeter (1883-1950), um dos
mais influentes pensadores liberais (capitalista, portanto) definiu bem a
democracia existente no capitalismo. Para ele, a democracia da teoria clássica
não passa de uma utopia. Na prática, deve ser
apenas um método de escolha entre candidatos pertencentes às elites. Ao povo
caberia apenas o papel de votar, de tempos em tempos, deixando aos figurões
mais ilustrados das classes dominantes a participação política efetiva.
A
democracia para ele não significa e não poderia significar que o povo realmente
governa. A democracia significaria apenas que o povo tem a oportunidade de
aceitar ou recusar os homens que os governam. Schumpeter via o cidadão comum
com um fantoche nas mãos da imprensa e da máquina de propaganda dos partidos
"razoáveis", isto é, comprometidos com o capitalismo.
A
competição política, segundo ele, deveria ocorrer dentro de um leque restrito
de questões, de maneira a jamais colocar em jogo as estruturas da sociedade e
os pontos de consenso entre as elites.
Por
outro lado Hans Kelsen a eleição (método de escolha dos representantes, dos
lideres é elemento essencial da democracia real. Ele é um dos maiores teóricos
da chamada democracia real, não a
democracia ideal (a qual na prática não existe em lugar algum).
Faço
essa introdução para retomar e comentar recente entrevista do jurista Ives Gandra na qual ele afirma que o
ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas. De acordo com o jurista, a teoria
do domínio do fato, usada para que
a condenação alcançasse José Dirceu, foi adotada de forma inédita e
inepta pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Ainda de acordo com o citado jurista, esse ineditismo traz uma insegurança jurídica "monumental", já
que permite que, a partir de agora, mesmo um inocente pode ser condenado com
base apenas em presunções e indícios.
O que
ocorreu na prática é que o STF criou uma lei e o fez através ultrapassando o
seu papel constitucional e colocando-se no papel de colegislador. Isso ocorreu em razão da fé (ou má-fé?) de que a
função de criar normas é prerrogativa compartilhada, não exclusiva do
Congresso, isso latu sensu é fato,
mas há limites.
Esclareço
que não sou daqueles que afirmam que há indevida interferência na esfera
legislativa, quando o STF invalida ou
dá uma nova interpretação a uma lei,
por outro lado é inegável que é prerrogativa do Congresso Nacional a elaboração
de novas normas jurídicas.
Levando tudo
isso em conta não há nenhuma contradição em, de um lado (a) aceitar a
invalidação ou uma nova interpretação de uma lei pelo colegiado do tribunal e
de outro lado (b) afirmar, como afirmo, que não é dado aos integrantes do Poder
Judiciário promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares
fossem, pois ao Poder Judiciário não é dado o poder de criar normas
jurídicas.
Se isso fosse
aceitável o Poder Judiciário criar leis estaríamos ao mesmo tempo negando dois
princípios adotados pela constituição brasileira: (a) a separação de
poderes, arranjo por meio do qual se busca prevenir o abuso de poder e (b)
a democracia, ideal político que almeja institucionalizar um
governo do povo.
A fusão
desses dois princípios, na prática, confere ao parlamento eleito, e somente a
ele, a função de legislar, e aos outros dois poderes o papel de aplicar o
Direito.
É verdade
que o controle judicial de constitucionalidade é exceção, pois
ele [o controle judicial de constitucionalidade] permite ao STF a declaração de
inadequação de uma lei em relação ao texto constitucional. Mas nem de longe o controle
judicial de constitucionalidade dá ao colegiado do STF o status de
colegislador, trata-se de prerrogativa necessária em nome da supremacia da
constituição. Ademais a atividade de controle não faz da suprema corte um legislador positivo (aquele que cria
normas), mas apenas um legislador
negativo, que se limita a vetar certas normas emanadas do Congresso
Nacional, permanecendo assim preservada a integridade da separação de
poderes e da democracia. O festejado ativismo judicial deve ser relativizado.
Querer
transformar o Poder Judiciário em colegislador, como pretende parte da
comunidade acadêmica e lamentavelmente alguns ministros, tem viés elitista e golpista,
pois falta ao poder judiciário: (a) legitimidade jurídica, (b) legitimidade
Política e (c) competência institucional para criar
leis.
No caso concreto com a decisão de
colegislar o STF quebrou a tradição de nunca invadir as competências de outro
poder, essa postura transformou, nesse caso, o Supremo num legislador ativo, o que é no todo inconstitucional e pelo artigo
49, inciso XI, da Constituição, cabe ao Congresso anular essa decisão do Supremo.
Onde está o Congresso Nacional?
Mas não é só. Eu considero que a AP 470 é um todo viciado, nulo,
pois foi um julgamento de exceção e um julgamento político.
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