Primeiro vou falar sobre preconceito. Em 1951, a psicoterapeuta americana Doris Allen reuniu na cidade de Cincinnatti, Ohio, EUA, representantes de oito países para o primeiro Children´s International Summer Village (CISV). Os grupos eram formados por um adulto, que atuava como monitor, e quatro jovens – duas meninas e dois meninos.
A idéia desta organização não-governamental (ONG) fora concebida anos antes, em 1946, um ano depois da Segunda Guerra Mundial. E era muito simples: reunir grupos de jovens de todos os países, regularmente, em encontros, acampamentos (ou acantonamentos) e intercâmbios. É muito ativa no Brasil e sucesso em vários países até hoje.
A Dra. Allen percebeu que idéias preconceituosas formam-se e solidificam-se a partir do momento em que as crianças fazem 11 anos, época em que iniciam uma mutação violenta e contraditória entre o (doce e aconchegante) lar e a selva das ruas.
De repente, o jovem que era acarinhado e protegido por sua família é, abruptamente, humilhado e jogado junto aos seus contemporâneos. Não à toa, pais reclamam da “súbita” mudança, quando estes jovens retornam agressivos e mudados às suas casas, falando expressões e gírias diferentes, com cabelos e roupas idênticos aos seus pares.
A criação desta ONG ocorreu, naturalmente, sob o impacto da tragédia recente. Analisado sobre qualquer ponto ou ângulo, a Segunda Guerra Mundial é um assombro em termos quantitativos (60 milhões de mortes) e qualitativos (perseguição racista como política de Estado, algo que se faz hoje no Irã. Refiro a um político populista e fanfarrão, o presidente Mahmoud Ahmadinejad).
Doris Allen percebeu que as crianças não fazem guerras nem alimentam preconceitos (até podem ter pois o ovo vem antes da galinha, certo?). Quem os cria – e é capaz de levar nações inteiras à loucura – são governos e famílias, algo que é muito enraizado e de difícil equação.
A solução apresentada pela Dra. Allen foi a prática da globalização, implementada nas crianças/pré-adolescentes, materializada na realização de acampamentos entre grupos (ou tribos?) de diversos países – americanos, japoneses, brasileiros, argentinos, jordanianos, suecos, finlandeses, italianos etc. Não mencionei raças nem religiões acima, por razões óbvias. A convivência observada (e consentida pelos pais) entre estes grupos estimula a tolerância e incita a curiosidade, numa dimensão superior à experimentada pelo cidadão comum, não afeito à diferenças. Posso dizer, como pai de uma cisviana que esta praxis funciona e muito bem.
Que tipo de ação poderia fazer um profissional experiente em países como a Alemanha, Itália (e mesmo a França), aonde o preconceito racial chegou a situações extremas, de perseguição à extermínio?
As reflexões acima me levam a um ponto delicado, que aflige todo o profissional de Relações Públicas e comunicação, principalmente aqueles que operam em política, com comunidades ou são responsáveis pela estratégia de comunicação de grandes grupos.
Trata-se desta entidade genérica e inexata que se convencionou chamar de “opinião pública”.
Fraser Seitel, em “The Practice of PR”, dedica um capítulo inteiro ao assunto (“Public Opinion”). Recomendo a sua leitura. Longe de ser um tratado sociológico, Seitel chega à conclusão que a melhor maneira de entender a “opinião pública” é entender primeiro o que é opinião e quando ela se torna pública, ou seja, quando os interesses de vários indivíduos se assemelham para então virar instrumento de influência social ou massa de manobra.
Seitel cita Edward Bernays, o grande comunicador, sobrinho de Freud e que para muitos é o verdadeiro criador da atividade de RP: “Opinião pública é um termo impreciso que descreve grupos volúveis e manipuláveis formados por julgamentos individuais”.
Para Seitel “público” significa um grupo de pessoas que compartilham interesses ‘comuns em assuntos específicos (“grupos de investidores”, por exemplo).
O especialista em RP descreve o processo em três partes distintas – atitude, opinião e ação. Quando as atitudes tornam-se fortes o suficiente, emergem na forma de “opiniões”. A opinião é a expressão de uma atitude sobre um determinado assunto. E quando as opiniões tornam-se fortes o bastante, transformam-se em ações – verbais ou comportamentais.
As atitudes galvanizam e encontram o seu ponto de fusão quando encontram seus espelhos, pessoas que também comungam das mesmas experiências, dores, desejos, ambições, medos ou felicidades. Ou seja, o melhor seria chamar o fenômeno “opinião pública” de “atitude pública”.
Seitel apresenta estas características, as atitudes, em sete grandes grupos: pessoais (estados emocionais, geracionais), cultural, educacional, familiar, religioso, classe social) e raça. Ele não cita um grupo que acho importante, o demográfico, que sem dúvida pode influenciar uma pessoa (alguém nascido no Alasca tem a mesma atitude de alguém nascido em Guiné-Bissau?).
Não serei esotérico e não acrescentarei aqui uma nova categoria de atitude: a provável força (oculta) dos doshas indianos (vatha, pitha e kapha) e da astrocaracteologia, que utilizava os astros como referências aos vários tipos humanos, identificados desde os mestres gregos …
Em suma, acredito que é necessário estudar muito, que é preciso acercar-se do maior número de especialistas sobre um assunto, para que se tenha uma opinião formada acerca de qualquer coisa.
Sempre me pergunto – e não dá para não ser o mais verdadeiro e honesto para nós mesmos, certo? – se a opinião pública realmente tem opinião. Claro que não, quem a tem é o indivíduo! Em outro post escrevi que “a massa é burra, quem tem (ou não) inteligência é a pessoa”.
Quem já trabalhou em um grande grupo de comunicação sabe que o poder é uma composição de grupos. Estes podem ter mais, ou menos, poder em um determinado momento. Mas todos manipulam e utilizam a (e são utilizados pela) mídia. Ganha quem tem a mensagem (ou apelo) certa, a “cara” certa, no momento certo, para o público certo (se você não sabe o que eu estou falando leia o livro “Fogueira das Vaidades”, de Tom Wolfe ou assista ao ótimo filme, homônimo, de Brian de Palma, ranqueado com 5.1 estrelas – que injustiça!).
Agora, o que um bom profissional de comunicação deve fazer quando confrontado por grupos de pressões, formados por pessoas que têm “opiniões” formadas e “sólidas” acerca da marca ou do seu serviço? Ou mesmo preconceitos?
A percepção de todos os grandes profissionais de comunicação é que não adianta ir contra a percepção da maioria, ou seja, tentar mudar a opinião destes grupos. Trata-se de uma tarefa insana e inglória, que leva o contendor à exaustão ou ao ostracismo. Uma morte em vida.
Os surfistas sabem que não dá para remar contra a maré. É preciso ler o mar, a correnteza, os ventos. A precisa e correta leitura destes elementos posicionam o surfista que poderá habilmente aproveitar as ondas a seu favor. Os políticos – auxiliados por grandes comunicadores – aproveitam-se disso.
Os profissionais que trabalham em comunicação devem estar atentos a todas estas leituras para proteger e alavancar a imagem das empresas, uma vez que a muitos não foi lhes dada a faculdade, o dom transformador, de mudar opiniões.
Seitel demonstra que uma vez formada uma opinião – ou preconceito – é praticamente impossível transformar atitudes motivacionais. Mas, curiosamente, nos dá uma pista preciosa: a de que a melhor maneira de tentar persuadir alguém é simplesmente entendê-la, ouvi-la, abrir canais de comunicação e interação.
Trata-se de um passo minúsculo em um mundo que tem a guerra como continuação da política. Mas é neste momento que nós, profissionais sérios de comunicação, vemos surgir alguma luz que irrompe a escuridão perniciosa do preconceito e das “opiniões”, ou o que quer que seja - estas coisas nefastas, remendos produzidos a partir de trapos de realidade.
http://doutorspin.wordpress.com/2009/04/25/a-opiniao-publica-tem-opiniao/
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